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A conferência de Wannsee, em 20 de Janeiro de 1942, e o Holocausto.

 

Haus_der_Wannsee-Konferenz_02-2014.jpg

Edifício onde se realizou a conferência de Wannsee, nos arredores de Berlim (foto retirada da net)

 

Em 27 de Janeiro do próximo ano, passam 70 anos após a libertação por tropas soviéticas do campo de concentração e extermínio de Auschwitz, o maior campo de concentração e de extermínio erguido pelos alemães. Tratava-se de um complexo de vários campos, que incluía um campo de trabalhos forçados, Auschwitz III (Monowitz), um campo de concentração, Auschwitz I, e um campo de extermínio Auschwitz II (Birkenau). Situado perto da cidade polaca de Oswiecim e a cerca de 40 quilómetros de Cracóvia, perto da fronteira germano-polaca, anterior à guerra, uma área da Alta Silésia, anexada pela Alemanha nazi à Polónia, em 1939, Auschwitz é hoje um símbolo do maior crime cometido contra a humanidade.

O processo que levou a Auschwitz, onde foram massacrados pelos nazis, cerca de um milhão e meio de homens, mulheres e crianças, na sua maioria judeus, mas também, ciganos, prisioneiros de guerra russos e bielorussos, polacos e presos políticos, já está hoje muito estudado, mas persistem sobre aquele informações erradas e ideologicamente motivadas. Por essa razão, e em prólogo ao que poderá ser desenvolvido, no ano de 2015, quando decorrerem 70 anos após o final da II Guerra Mundial e a descoberta dos campos de concentração e de extermínio alemães, abordarei aqui um episódio, sobre o qual persistem informações erradas. Trata-se da Conferência de Wannsee, realizada perto de Berlim, em 20 de Janeiro de 1942, onde, contrariamente ao que se diz, de que teria sido o momento da tomada de decisão do chamado processo da «Solução Final», foi na realidade uma reunião onde foram formalizados os planos de deportação e extermínio dos judeus dos territórios ocupados pela Alemanha. Utilizarei aqui excertos do livro que escrevi em co-autoria com Cláudia Ninhos, Salazar, Portugal e o Holocausto (2013).

A muito abundante historiografia sobre o Holocausto (ou Shoah), perpetrado pelo regime nacional-socialista alemão tende, na sua grande parte, a considerar que o mecanismo desse extermínio procedeu por etapas, num processo em espiral de radicalização imparável. Ao colocar o anti-semitismo no centro da sua ideologia e prática e começar por definir a figura do judeu, o regime hitleriano apelou de imediato ao boicote ao comércio judaico, em 1 de Abril de 1933. Prosseguiu com a legislação de exclusão dos judeus das profissões liberais e da função pública e, através das Leis de Nuremberga, de Setembro de 1935, atribuiu um estatuto de cidadania e «sangue» diferente aos judeus. Seguiu-se uma política de expropriação e de «arianização» do património dos judeus, levada a cabo paralelamente com a “emigração”/expulsão destes dos territórios alemães, nomeadamente a partir de Novembro de 1938. De seguida, os judeus foram concentrados e enclausurados em guetos, antes de serem deportados para os campos de extermínio, onde foram assassinados em massa.

É hoje também aceite em geral a ideia de que o Holocausto esteve relacionado com a operação «Barbarossa», guerra total na URSS, iniciada em Junho de 1941. Em particular, essa conclusão deve-se ao facto de terem então sido emitidas pelos alemães duas ordens: por um lado, a ordem de execução dos comissários soviéticos (Komissarbefehl) e, por outro lado, a do reforço dos poderes dos Einsatzgruppen, esquadrões da morte que seguiam as tropas regulares da Wehrmacht nos territórios ocupados da Polónia e da URSS, responsáveis por matar cerca de dois milhões de pessoas, nomeadamente civis, na maioria judeus e soviéticos.

 

A conferência de Wannsee

Em 20 de Janeiro de 1942, realizou-se, convocada por Reinhard Heydrich, a conferência de Wannsee, perto de Berlim, na qual foi delineada a sequência da «Solução Final» já em marcha, por aquele chefe SS (Obergruppenführer-SS) e do RSHA (Organismo Central de Segurança do Reich, que englobava a Gestapo e as outras polícias nazis) e outros catorze dirigentes nazis relacionados com a questão judaica. Começou por ser informado, no início da reunião, que, em substituição da «emigração» dos judeus – política nazi de expulsão dos judeus dos territórios alemães e arianização da sua propriedade, iniciada em final de 1938 -, passaria a ocorrer a «evacuação dos judeus em direcção a leste, com a autorização do Führer».

 

Foi ainda afirmado que, embora provisória, esta opção já constituía «uma experiência prática muito significativa para a próxima solução final da questão judaica» europeia, que abrangeria «mais ou menos 11 milhões de judeus de diversos países». Após dar conta da população judaica de cada nação europeia, incluindo os dos países neutros Irlanda, Suécia, Suíça, Espanha, Turquia e Portugal, onde haveria, respectivamente 4.000, 8.000, 18.000, 6.000, 55.500 e 3.000 judeus, Heydrich lembrou ter ficado incumbido, pelo comandante supremo da SS (Reichsführer-SS), Heinrich Himmler, de planificar a «Solução Final da Questão Judaica Europeia». Heydrich traçou ainda uma história das acções nazis contra os judeus, com o principal objectivo de removê-los do solo alemão.

O primeiro objectivo havia sido, segundo ele, acelerar a emigração judaica, através de uma política que apresentava desvantagens, mas era a única possível em 1938 e 1939. Esta primeira fase tinha terminado, sob ordens de Himmler, devido às condições da guerra e depois, em Setembro de 1941, com a aprovação por Hitler de uma nova solução – a «evacuação» dos judeus para Leste. Heydrich afirmou que a reunião deveria decidir sobre como organizar essa «evacuação», antecipando que os judeus deveriam ser postos a trabalhar compulsivamente nas estradas no leste, para onde iriam, em grandes colunas, no seio das quais, «sem dúvida, a maioria seria eliminada por causas naturais». Quanto aos sobreviventes, tratando-se dos mais resistentes e resilientes, teriam de ser tratados apropriadamente, pois caso contrário, formariam através da selecção natural, células dos germes de uma nova ressurreição judaica.

Em suma, os elementos das SS e das polícias, bem como os secretários de Estado presentes em Wannsee tomaram conhecimento de que os judeus deveriam ser «evacuados para Leste», o que representaria muito provavelmente a sua morte. Efectivamente, os que pudessem trabalhar morreriam devido às terríveis condições a que estariam sujeitos ou seriam mortos, se fossem suficientemente resilientes para sobreviverem. Quanto aos incapazes de trabalhar, não havia dúvidas sobre qual seria o seu destino. A tentativa de fazer a quadratura do círculo, cumprindo os objectivos antagónicos dos nazis, simultaneamente de aprovisionamento de mão-de-obra escrava e de eliminação dos judeus do território alemão, pode ser sintetizada na concepção explícita de Heydrich de extermínio através do trabalho.

O historiador Hans Mommsen concluiu que a ficção de utilizar racionalmente a força de trabalho providenciou aos criminosos nazis a função psicológica de criar uma ponte entre a política de constituir uma «reserva a Leste» e a do genocídio. Joseph Buhler, representante do Governo-Geral da Polónia, em Wannsee, pediu que a «Solução Final» começasse nessa região, não só porque ali não haveria problemas de transportes, como porque grassavam epidemias e a maioria dos judeus já não estavam capazes de trabalhar. Foi ainda decidido que as deportações começariam pelos judeus da Alemanha e do Protectorado da Boémia Morávia, com a excepção daqueles com mais de 65 anos, dos que tivessem sido seriamente feridos na Grande Guerra ou recebido medalhas de Guerra de 1.ª Classe, que iriam para o campo de Theresienstadt, até a guerra permitir futuras evacuações.

Foi ainda debatida em Wannsee a forma de persuadir os territórios ocupados ou os países aliados da Alemanha para que também eles se integrassem« na «Solução final». Martin Luther, representante do ministério dos Negócios Estrangeiros alemão, na Conferência, observou que a Escandinávia poderia ser um problema, devido ao facto de aí não se fazer sentir de forma alargada o anti-semitismo, e que seria ainda de esperar dificuldades na Roménia e Hungria, embora o «problema judaico» já tivesse sido resolvido tanto na Croácia, como na Eslováquia. No final da conferência, Heydrich regozijou-se por terem sido definidas as linhas básicas relacionadas com a «execução prática da solução final da questão judaica».

Cópias das actas da conferência, redigidas pelo Obersturmbannführer-SS, Adolf Eichmann, presente em Wannsee e responsável pela logística da deportação dos judeus para os campos de extermínio, foram depois enviadas a outros altos dignatários nazis. Após receber a sua minuta, Joseph Goebbels escreveu no seu diário que a «questão judaica» tinha, a partir de então, de «ser resolvida numa escala pan-europeia». A ênfase dada na conferência de Wannsee ao «extermínio através do trabalho forçado» fez com que, em Fevereiro de 1942, a administração de todos os campos tivesse sido reestruturada, com a criação das respectivas divisões económicas, de construção e administração interna, integradas num novo departamento económico e administrativo das SS, sob a direcção de Oswald Pohl.

Com o triunfo da posição da SS e do RSHA sobre outras facções nazis, através da conferência de Wannsee, foi posta em marcha a «solução final», em Chelmno e Maidanek. Os motores diesel ali utilizados viriam a ser substituídos pelo Zyklon B, também usados nos outros campos de extermínio da «operação Reinhardt» - Belzec, Sobibor, Treblinka e Auschwitz-Birkenau, erguido partir de Novembro de 1941. A partir de Wannsee, não mais viriam a ser tomadas decisões sobre matar ou não os judeus, mas, sim, sobre quando e por qual ordem estes deveriam ser assassinados. Dessa forma, não tendo sido o momento da decisão de levar a cabo o Holocausto, a conferência de Wannsee foi o marco da decisiva transição entre as deportações genocidas e um claro programa político oficial de extermínio.

O certo é que a 25 de Março de 1942, se iniciaram, em toda a Europa ocupada pela Alemanha, as operações genocidas e no Verão a terrível máquina de extermínio já estava plenamente em marcha. No Governo-Geral da Polónia, a deportação dos judeus de Lublin começara no final de Janeiro de 1942, sendo mortos em Belzec, enquanto na Rússia os judeus alemães sobreviventes que ali se encontravam foram mortos a partir de meados de Fevereiro. Judeus de França, Bélgica e da Holanda começaram a ser deportados para os campos de extermínio e, em 1 de Março, partiu de Berlim um comboio com judeus da Alemanha. No final da primeira semana desse mês, cerca de 11.000 judeus, incluindo 7.000 da capital alemã, já tinham sido transportados, para a área de Lublin, na Polónia, ao mesmo tempo que os judeus eslovacos começaram a ser enviados para Auschwitz. Em Abril, passou a funcionar em pleno o campo de extermínio de Sobibor.

Nas semanas seguintes, cerca de 90.000 judeus foram enviados, do Estado-fantoche da Croácia, para guetos no distrito de Lublin e para os campos de extermínio a Leste, onde também começaram a chegar cerca de 60 comboios transportando cada um aproximadamente mil deportados, do Reich alemão e do Protectorado da Boémia-Morávia. Com o início do funcionamento das câmaras de gás no campo de extermínio de Auschwitz-Birkenau, em Junho de 1942, os nazis passaram à fase aberta do genocídio planificado e sistemático. Em Dezembro desse ano, cerca de 75% das vítimas do Holocausto já tinham sido mortas e apenas nesse ano foram assassinados 2.700.000 judeus, mais do que em todos os outros anos de vigência do Terceiro Reich. O historiador Raul Hillberg observou que, até Março de 1942, menos de 10% das vítimas do nacional-socialismo tinha sido mortas, ocorrendo então os massacres, sobretudo de judeus e prisioneiros de guerra soviéticos, em Chelmno e na URSS. No entanto, no período entre Março 1942 e Fevereiro de 1943, mais de metade de todos os judeus e outras vítimas do nazismo já tinham sido assassinados, podendo-se dizer assim que a conferência de Wannsee terá certamente tido um papel galvanizador relativamente aos crimes e aos seus perpetradores.

 

bigwannsee03.jpg

 

O grupo de quinze homens reunidos por Heydrich incluía: elementos do Ministério para os Territórios Ocupados de Leste, de Alfred Rosenberg, respectivamente Meyer e Leibbrandt; do Governo-Geral da Polónia, de Hans Frank, Josef Bühler; das SS e polícias, Heinrich Müller, Karl Schöngarth e Adolf Eichmann, todos eles envolvidos no processo de extermínio. Assistiram ainda à conferência elementos dos ministérios do Interior e da Justiça, Wilhelm Stuckart e Roland Freisler, da Chancelaria do Reich, Friedrich Kritzinger, da direcção do Partido nazi, Ernst Kupfer, do ministério dos Negócios Estrangeiros, Martin Luther, do Plano de Quatro Anos, Erich Neumann, e do Departamento Central para o Povoamenteo e a Raça, o SS Otto Hofmann.

 

 

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