a gaiola das malucas
Não, não é bem uma gaiola. Nem nenhuma delas é maluca. Mas o sentido de ridículo que dali resulta levará muitas pessoas a fazer apreciações idênticas. Suspeito até que foi pensada, concebida e armadilhada para parecer isso mesmo. Falo da Barca do Inferno, programa de debate que estreou ontem na RTP-I. Não consigo entender bem o que terá passado pela cabeça de quem teve a ideia e ainda menos por quem a aprovou. Estes espaços, quando surgem, necessitam de gps. De referências, de uma ideia-chave. A Quadratura do Círculo pretende ser um espaço de debate e de reflexão entre políticos; o Eixo do Mal, de discussão livre e ácida entre cronistas e comentadores; o Governo Sombra, de humor irónico. Funcionam porque há uma cumplicidade entre os participantes, ainda que possam ter ideias diferentes ou entrar em confronto.
E esta Barca? Deduzo que a ideia-chave tenha sido "um cabaz de mulheres sem papas na língua". Por isso convidaram quatro. Só mulheres. Uma arena. Uma luta na lama. 'Bora ver as gajas a arrancar cabelos. E cumplicidade? Não há. Há posições políticas de cada uma a puxar para o seu lado. Isabel Moreira é deputada do PS e constitucionalista, pelo que tudo vê pelo prisma do "estado de Direito"; Raquel Varela é historiadora e desejosa de malhar no governo, torpedeando tudo com "os trabalhadores"; Manuela Moura Guedes gostava era de ir aos gasganetes ao Sócrates; como não pode, espuma. Quanto à outra senhora que lá está, bem, nem sei o que pensar de quem faz trocadilhos entre "Citius" e "citrinos" escritos numa cábula e compara as dificuldades reformistas de Paula Teixeira da Cruz com "gerir uma casa".
Mas, calma lá. Mulheres, mulheres, sim, porém, a moderar as tipas a esgadanhar-se tem que estar um homem, porque é certo e sabido que as mulheres precisam da figura da autoridade masculina; um macho para, se for preciso, metê-las na ordem. Quem? O Nilton. Genial. Porque não o Jel? Ou o Marinho Pinto, talvez? O Victor Espadinha? Ao menos, tinham piada e não denunciavam aquele ar de quem está aos bonés.
E pronto. O resultado é catastrófico. É a minha opinião. Não se percebe se é uma Noite da Má-Língua, se um Olhos nos Olhos sem Medina Carreira e a 4 vozes femininas; se aquilo são opiniões, se bocas; se é para levar a sério, se é prá palhaçada. Ouvir a Raquel Varela a falar do piropo e das "figuras que fazem as miúdas de 18 anos em Santos às 2 da manhã", a Manuela Moura Guedes a dizer que "não está aqui ninguém do governo, mas devia" e a outra senhora das cábulas a afirmar que Paula Teixeira da Cruz foi "muito pressionada" para fazer esta reforma na Justiça deixa qualquer um na dúvida.
Confesso que não vi tudo. Porque há tesourinhos deprimentes que o são mesmo e há coisas que são constrangedoras de assistir. Não posso deixar de lamentar ver a Isabel Moreira ali no meio. E de pensar, em conclusão, que o programa é um excelente incentivo ao perpetuar dos estereótipos femininos: que as mulheres percebem é de tricas e mexericos, que gostam é de programas de modas e lavores, e que, quando há um debate "só com mulheres" (assim armadas em homens, estão a ver?), o resultado não passa de uma gaiola das malucas.