a grande dialética peripateta
João Miguel Tavares descobriu, de uma assentada, Aristóteles e Hegel. Do primeiro, a distinção entre ato e potência; do segundo, uma peculiar noção de dialética. Se foi inspiração de musa, epifania divina ou azia de cheesecake mal digerido, não sabemos. Sabemos, sim, que se ergue hoje em arauto do que considera ser uma posição intermédia entre dois extremos. Que são... hum? Isso mesmo, os radicalismos em torno do aborto. Eu cria que era uma questão encerrada, para todos os efeitos: os números e estatísticas de balanço de vários anos aí estão, e só Isildas Pegados e outros cromos é que pegam naquilo e salpicam de ideias horrorosentamente gore, a ver se agitam as massas. Mas até agora, bocejo. Os portugueses podem ser burros, ovelhas, viciados em telelixo e em banalidades idiotas, podem ser piegas, preguiçosos, velhacos e mal-agradecidos, um rol de defeitos latinos e mediterrânicos. Mas calma lá. Votaram num referendo e arrumaram o assunto. Tá feito, não me chateiem com essa outra vez, vejam lá mas é se me arranjam emprego e se me ajudam a pagar as contas da casa.
Onde Isilda Pegado falha, JMT investe por outra via. Ah vamos ver, é preciso é moderação, evitar extremismos. Pronto, pronto, a proibição era exagero, agora assim? Não caiamos no extremo oposto, aborto livre? "vergonha". Antigamente uma mulher abortava e ia presa, agora não só não vai presa como vê o mesmo ato ser pago pelo estado, como se fosse um parto? ai, não, credo, não sejamos radicais. Não passemos "do oito para o oitenta".
Ora, eu sempre estive convencido de que não havia meio termo neste assunto, que se tratava de zelar pela saúde e pela dignidade da mulher, de acabar com uma hipocrisia milenar que as penalizava, envergonhava, estigmatizava. De levantar o tapete e tirar de lá séculos de vergonha, silêncio e dor e de conseguir elaborar, pela primeira vez, estatísticas fiáveis.
Estava a ser extremista e radical, segundo JMT. Afinal, é preciso um meio termo (ou seja, um "consenso", neologismo que significa "cortar as pernas" ou "empalar em estaca vertical", consoante se é moderado ou radical). "Há oito anos, uma mulher que abortava podia ir parar à prisão. Hoje, ela tem os mesmos privilégios de quem deu à luz. Será assim tão difícil encontrarmos um meio termo?". Claro que não, JMT. Não custa nada encontrar uma solução em vez deste desvario liberal. Por exemplo, uma visita guiada à prisão. Da primeira vez. À segunda, uma tarde bem passada. A partir da terceira, estadias crescentes. Sabe-se lá quantas malukas abort addicted não há para aí. É que o aborto é um vício, quando se começa, é difícil parar. Os contribuintes a financiar vícios? Era o que faltava. Em caso de dificuldade em achar um meio-termo, taxa. Depois, multa. Pimba. Ajuda a pagar o défice, cura vícios (quem não tem dinheiro não os tem, né?), penaliza a abortista e distingue-a claramente da mamã. A escola aristotélica chamava-se peripatética, porque os seus elementos passeavam e deambulavam, pois assim pensavam ser a melhor forma de pensar lucidamente e filosofar racionalmente. Azar do caraças, não chegou nenhum a Portugal, ficou-nos a versão baratinha do peripateta.

