Ana Tecedeiro | Joana Astolfi I @bloco 103 - 23 Abril | 19.30
Ana Tecedeiro
Joana Astolfi
Texto Introdutório às Agrafagens de Ana Tecedeiro
Olhe à sua volta… Respire… Dê-se conta da sala à sua volta…
Das pessoas que ainda não se tinha dado conta que estavam ao seu redor…
Imagine agora, como se fosse uma possibilidade, que todos os pedaços de vida amarrotados, aqueles que achava que não serviam para nada e foram deitados ao chão, podiam ser reunidos numa só sala.
Imagine que estavam nesta sala todos os pedaços de vida, de coisas deitadas fora, de todas as pessoas que nem se tinha dado conta que aí estavam… Ao pé de si…
Tanto pedaço de vida…
Imagine agora que seria possível o seu pedaço de vida amarrotado abraçar outro pedaço de vida amarrotado da pessoa que está ao pé de si… Não se conhecem… Nunca se viram… Mas, ainda assim, os vossos pedaços unem-se por via de um pedaço de metal que, em esforço, se torce para que eles se abracem…
Será que, dentro de si, existe a possibilidade de, fechando os olhos, viajar a um sítio onde todos os pedaços de vida humana se abracem… Se juntem… Mesmo depois de já não servirem para nada?
Hoje será… Só por hoje faça esta viagem…
“Eu serei o seu pedaço de metal que em esforço une aquilo que pensava que já não servia para nada.
Eu sou aquilo que une o que outros rasgaram, diluíram, destruíram, desligaram…
Partilhe comigo esta viagem ao centro de mim…”
Com pedaços de vida amarrotada que poderiam ser os seus…
José Pereira Neves
Habitar Joana Astolfi
A memória acompanha-nos silenciosamente. É um fio da vida que nos sustém e nos liga a uma identidade. Sem ela estaríamos entregues ao vazio. Memória que se alimenta do tempo, torrente que não dominamos e nos conduz para novas e infinitas possibilidades, deixando para trás um rasto que se esvanece lentamente mas dificilmente se apaga. Talvez este seja um dos maiores desafios dos artistas, trazer à superfície um corpo representativo da sua identidade como resposta possível. Fragmentos unificados da sua história, gestos presentes, mas também eles memórias.
O percurso que a autora nos apresenta vem ao encontro desta matéria. Um trabalho corpóreo que traduz a sua identidade. Joana Astolfi tem a capacidade de transportar para o seu trabalho Joana Astolfi. Não há divisão. Consegue pois exprimir em objectos e intervenções o seu mundo. E nela habita o mundo. Vamos às origens: raízes italianas, pai brasileiro, mãe portuguesa. Viveu e trabalhou em Londres, Munique, Los Angeles e Veneza. O todo é escasso sobre o seu olhar. Talvez por isso seja uma recolectora. Apropria-se, compila, reúne, sistematiza, transforma criando um imaginário. A Joana arquitecta, a Joana designer, mas sobretudo a Joana artista, capaz de assimilar referências, interpretar o tempo e projectar obras que despertam uma intensa curiosidade.
Habitar Joana Astolfi. Será este o sentido único de quem se aproxima e se apropria do seu trabalho. Nele encontramos também as nossas vidas e as suas idiossincrasias: o humor, a ironia, a memória, a humanidade. Mas também o belo. E gosto de abarcar a ideia que o belo é uma das mais primárias construções na arte. É porventura o nosso maior segredo, o fruto proibido que nos move e aproxima da eternidade.
Miguel Justino Alves