As subvenções vitalícias - algumas notas a propósito do Acórdão do Tribunal Constitucional 3/16
1. As subvenções vitalícias para titulares de cargos políticos foram criadas em 1984 como modo de estimular a participação política, por um lado, e assegurar a subsistência dos titulares de cargos políticos quando tivessem dificuldade em fazê-lo pelos seus próprios meios. O problema político (e moral, para quem entenda que existe) nasceu aqui. Não nasceu em 2005, quando estas subvenções foram extintas para o futuro, nem nasceu com o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 3/2016. O problema jurídico também nasceu em 1984 porque a partir dessa data podia começar a formar-se uma situação digna de proteção da confiança. Foi isso, como veremos mais adiante, que veio a ser entendido pelo TC há alguns dias.
2. Tendo o problema das subvenções vitalícias nascido em 1984 (curioso número) percebamos de uma vez por todas que como dizia Maximus Decimus Meridius, o que fazemos na vida ecoa pela eternidade e como tal é no momento em que o legislador decide - em nosso nome - e sobretudo até esse momento que devemos tudo fazer para o impedir ou para o assegurar. É assim em democracia. Não é que o que se faz não possa ser desfeito, mas a partir do momento em que se legisla, mudar o sentido da legislação, de acordo com uma ponderação que é controlada em última instância pelo Tribunal Constitucional, pode acarretar riscos e tornar-se impossível.
3. Independentemente do problema jurídico, em 2005 decidiu-se finalmente corrigir o erro político (e moral para quem entenda que existe) e extinguir as subvenções vitalícias, para o futuro. Isto é, a partir do momento em que os titulares dos cargos elegíveis de acordo com a legislação terminassem os seus mandatos, os novos titulares já não teriam direito a tais subvenções. Quem já as recebia ou estava em curso de as receber, mantinha o seu direito.
4. Por que razão não se extinguiu em 2005 as subvenções vitalícias também para o passado? Ou seja, também para aqueles que já estavam a receber a subvenção? Porque se entendeu que quem já recebia a subvenção, em alguns casos há mais de uma década, estava a contar com tal prestação e, tendo feito planos de vida assentes na sua existência, dependia de tal subvenção.
5. Aquilo que o Tribunal Constitucional foi chamado a apurar foi o impacto do princípio da proteção da confiança, no tocante a uma norma do OE2015 que suspendia ou limitava a subvenção vitalícia de acordo com a verificação da condição de recursos e até um limite de 2000€, apenas - como deve ser evidente - para aqueles que ainda estão a receber as subvenções.
6. O TC entendeu que a suspensão ou limitação por referência à condição de recursos (aplicáveis a prestações associadas à falta de recursos) não fazia sentido pois confundia a natureza de prestações distintas e, como tal, defraudava o modo como deve ser aferida a ponderação entre as expetativas dos que recebem e o interesse público que justifique a sua limitação. O TC entendeu que, não apenas essas expetativas existem - reforçadas pela lei de 2005 ao extinguir apenas para o futuro -, como também que não existe um interesse público suficientemente intenso para justificar desconsiderar tais expectativas.
7. Numa coisa todos os conselheiros estão de acordo (não obstante o Tribunal ter decidido muito dividido): o direito à subvenção vitalícia não é um direito fundamental e não prescreve um quantum. Ora, mas assim sendo, e até levando em consideração a posição que teve vencimento - a da natureza peculiar das subvenções vitalícias, compreende-se que seja inconstitucional a suspensão do pagamento da subvenção, uma vez que pura e simplesmente o titular deixa de receber (sendo irrelevante se tem recursos, o que respeita a natureza da subvenção), mas já não parece ser inconstitucional que seja reduzido o quantum da subvenção, mesmo que o critério dessa redução seja a condição de recursos. Na verdade, tal subvenção, apesar de não se destinar apenas a assegurar uma vida condigna aos ex-titulares de cargos políticos desempenha primariamente essa função, daí que um dos critérios que o legislador possa utilizar para a limitar (mas não para a suprimir) seja a condição de recursos, de modo a que, tendo o ex-titular recursos suficientes para sobreviver, possa ver diminuída a compensação pelas funções anteriores (que acresce ao seu rendimento e não é a sua fonte única de rendimento). Aliás, dificilmente se vê outro critério para graduar uma redução variável entre ex-titulares a partir do momento em que se admite que essa redução é possível (como todos os conselheiros admitem).
8. Deste modo parece-me que o TC esteve meio bem, meio mal, sendo certo que este é um caso particularmente difícil, não apenas por envolver o sempre difícil princípio da proteção da confiança, mas porque esta subvenção tem uma natureza peculiar.
9. Como resulta de toda a explicação anterior, a decisão do TC não implica qualquer reposição das subvenções, no sentido em que a revogação de 2005 tenha sido revertida e os atuais titulares de cargos políticos possam voltar a beneficiar de tais subvenções vitalícias (significa apenas reposição do que não foi pago em 2015 aos que ainda têm direito a receber, por serem pré-2005). Este tipo de subvenções mantém-se extinto e bem extinto de 2005 para a frente.