bruxelas, 24 de março de 2016
a grande dificuldade de um repórter é destrinçar, no que sente e aprende, o que é dele próprio e do que observa.
não chego a bruxelas como quem nunca tivesse estado em cidades pós atentados. se em paris em novembro já trazia a bagagem de janeiro, aqui chego com toda a liturgia parisiense na memória, as perguntas e respostas em eco. é de mim ou dos belgas, este cansaço triste, este nevoeiro que afasta a emoção? é de mim ou dos belgas esta vontade de silêncio, de dizer - não me perguntem como lidamos com isto, não me perguntem por que isto sucede, não me perguntem como podemos evitá-lo, se podemos evitá-lo'?
talvez tenha sido só acaso que cada pessoa com quem falei parecesse tão perdida, tão sem pistas como eu. que o discurso torrencial dos franceses contraste com a hesitação e contenção dos belgas. mas seria possível reagir ao terceiro atentado nesta zona da europa em orgulho e força? é o terceiro em menos de ano e meio, e o facto de ter sido perpetrado pela mesma célula que o segundo, o de novembro em paris, só adensa a noção de impotência, de fatalidade.
caminhar nas ruas desta cidade com soldados de camuflado, capacete, colete anti bala e máscara, com metralhadoras enormes nos braços, remete-me para imagens de outras reportagens. de há 23 anos em belfast, há 24 anos em jerusalém. quando o horrível passa a ser normal, quando cada saída à rua, cada viagem de metro, comboio, avião é um risco cujo cálculo já integrámos, já nem fazemos.
não vale a pena perguntar se podemos viver assim, porque sabemos que sim: outros vivem assim e muito pior, e vivem. e quando não vivem dizemos-lhes, nas nossas fronteiras, que o problema é deles.