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Falei dele a propósito da Eputeia, quando foi inaugurado pelo nosso bem-amado Primeiro, há quase um ano. Trata-se do World of Discoveries, "museu interativo e parque temático" dos Descobrimentos, no Porto. Nunca lá fui. Ainda esperei que algum jornal simpático me desse uma borla para lá ir e escrever uma crónica ou assim, mas já me dói o rabo de estar sentado. Na altura, e pelo que fui vendo na imprensa e na página do parque, torci o nariz, uma torcidela paradoxal: estou muito consciente do enorme divórcio entre História e divulgação e do fosso entre investigadores e público, já que o tema dos "Descobrimentos" tem um enorme potencial de interesse para a compreensão e o conhecimento do passado e do presente. E sei que falar disto a turmas escolares não é fácil, e que o compromisso entre o rigor e a divulgação é difícil de encontrar. Mas sei também que, infelizmente, é terreno fértil para os Menzies, os Tricketts e os Mascarenhas Barretos deste mundo e, por outro lado, que "divulgação" significa muitas vezes compactuar com o erro e a simplificação imbecil. Ora, e como disse, o que vi e ouvi acerca do Parque não me deixou tranquilo. Muito pelo contrário. Mas como de lá me garantiram, e de forma enfática, que todos os conteúdos históricos eram supervisionados por historiadores e especialistas destes assuntos, descansei. Recebo regularmente a newsletter e prontos.

Há dias recebi esta, dedicada ao cacau. Devo dizer que fiquei com algumas sombras, causadas ora pela minha própria ignorância, ora pela ligeira suspeita de que a informação presente não seja completamente correta. Assim,  confesso que não sabia os astecas falavam latim. E, depois, não fazia a mínima ideia de que "cacaueiro" provinha de tal língua e, muito menos, que queria dizer "alimento dos deuses". Talvez fossem os maias, se calhar. Também achei encantador que estes considerassem que o cacau "deveria ser consumido com parcimónia e elegância". Ainda pensei que os supervisores científicos tivessem descoberto algum manual maia de etiqueta. Afinal, não. Deceção que partilho com quem ler isto: não é preciso lá ir para saber o motivo, basta ir à página portuguesa da Wikipédia (de onde a expressão foi retirada). Finalmente, fiquei com uma dúvida sobre a tal "degustação": a newletter fala em "doces". Das duas, uma: ou os visitantes comem (ou bebem) chocolate e ficam com o palato agradado, mas esse "cacau" não tem nada a ver com a coisa que maias e astecas deglutiam; ou arranjam uma simulação da zurrapa que Cortés terá provado (e que até vem no boneco, se bem que a cena se assemelhe mais a uma prova de água-pé oferecida pelo compadre do que a consagração ritual de um semideus a receber a oferenda de um devoto), e nesse caso terão os clientes a cuspir no chão, a vomitar para cima dos manequins e a proferir impropérios. É que o "cacau" era uma mistela picante e amarga - motivo da tal "parcimónia" e "elegância" wikipédica - , que os espanhóis amaciaram ao gosto europeu com a adição de açúcar. Portanto, ou os responsáveis pela iniciativa agradam aos visitantes enquanto lhes enfiam um barrete, ou cumprem o rigor histórico e arriscam-se a um motim. Alguém que me satisfaça a curiosidade, por favor.

Isto, claro, são apenas resmungos rezingas, decerto que a supervisão científica do parque, composta por um diversificado leque de especialistas e historiadores tripeiros, terá todas as respostas que a minha ignorância não consegue vislumbrar.

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