Esmiuçando a mudança de narrativa
Margarida Neto disse ontem na SICN que "o número de abortos tem vindo sempre a aumentar" e justificou essa falsa afirmação* recorrendo a uma nova narrativa: o uso da relação número de abortos por nados vivos no decorrer de um ano. Dá-se o caso da taxa anual de aborto não ser assim encontrada. Basta fazer uma pesquisa rápida na informação científica sobre o assunto para se aprender que o indicador metodológico usado na literatura é a razão entre o número de abortos e o total de mulheres em idade fértil. E assim cai por terra a realidade reinventada.
Vamos, contudo, fazer o exercício de olhar para o binómio número total de abortos e número total de nados vivos no decorrer de um ano. No caso português, e comparando com os dados disponíveis de outros países**, havendo uma diminuição consistente do número de abortos ao longo dos últimos anos em paralelo com uma diminuição do número de nascimentos pode e deve concluir-se que estamos perante um indicador de que as mulheres portuguesas têm das contracepções mais eficazes na Europa.
Atingir o desejável "seguro, legal e raro" consegue-se com mais e melhor informação sobre planeamento familiar, com desenvolvimento de políticas de educação sexual nas escolas e com centros clínicos multidisciplinares disponíveis para colmatar as insuficiências pessoais, clínicas e sociais que cada mulher específica entende ter, não com consultas obrigatórias eventualmente feitas por gente como esta.
Nota: O gráfico e os quadros apresentados constam do "Relatório de Registos de Informação da Gravidez 2014", da Direcção Geral de Saúde, que pode ser encontrado aqui.