for sale
Um dos aspetos mais interessantes das reações aos sucessivos anúncios (diários) de Trump é a forma como se tenta racionalizar, por vezes mesmo, digamos, "intelectualizar" tudo aquilo. Os comentadores das nossas televisões fazem-no com alguma frequência, afirmando que se trata de uma estratégia deliberada "de choque", quase de bluff, com o objetivo de maximizar o efeito de surpresa e de ganhar espaço negocial para os passos futuros. Alguns assinalaram, em tom de quase triunfo ("estão a ver?"), o "recuo" de T. na imposição das taxas alfandegárias ao México e ao Canadá. Cheguei mesmo a ouvir alguma acomodação, a roçar a satisfação, de que o estilo de T. até poderia ser benéfico por permitir um "abanão", por exemplo, no impasse na guerra na Ucrânia.
Eu compreendo este tipo de raciocínio mas discordo dele. Aliás, parece-me perigoso. Compreendo porque é uma forma de criar alguma racionalidade no meio de tanta desorientação. Já em 2016 aconteceu o mesmo, quando se vulgarizou alguma normalidade no meio do choque e da surpresa. Não era possível o que o homem ameaçava, era retórica, campanha, fogo de vista, certamente que acabaria por "entrar nos eixos", tudo isto misturado com chacota e riso. O riso é uma boa forma de espantar os medos. Eu também me recordo de inúmeros episódios ridículos, de T. e de Bolsonaro, à hora de jantar nos dias do confinamento, dos disparates, da ignorância e da alarvidade. Infelizmente, o riso não mata e quando, finalmente, acordámos do pesadelo em novembro de 2020, enquanto saíamos lentamente da pandemia, veio o 6 de janeiro, e percebemos que aquilo era mesmo a sério.
Em novembro passado não acreditámos neste regresso. E o que se passa agora quebra todos os limites do que julgámos possível. Porém, avisos não faltaram, e o "Projeto 2025" estava lá para quem o quisesse ler. Dou os meus parabéns a quem, em nome dos palestinianos, zurziu em Biden e considerou que não havia diferença substancial entre T. e Kamala Harris. Devem estar eufóricos com o que aí vem. E quem acha que T. está a "fazer frente" a Putin e a obrigá-lo a negociar também demonstra uma perspicácia a toda a prova.
Anteontem prestei atenção às declarações de T. acerca de Gaza (já posteriores à piadinha da Riviera): que quer comprar o território, que os EUA vão controlá-lo, que as pessoas que lá vivem estariam mais confortáveis noutro lugar, que o Egito e a Jordânia iriam colaborar. Tudo uma questão de "dinheiro". Entretanto já vieram mais palavras - é um corropio diário - sobre o "desencadear o inferno" se o Hamas não libertar os reféns, mas foram aquelas que me fizeram perceber o óbvio. Tão óbvio que quase assusta. Está ali tudo. T. não tem estratégia oculta nenhuma, nem plano de Relações Públicas de "choque". É mesmo o que parece, um misto de força bruta e de dinheiro, de ameaça e de negócio. Tudo se compra, a bem ou a mal. A apologia da ignorância arrogante. T. nunca leu História, não imagina o que seja a complexidade do Médio Oriente ou, sequer, o enorme imbróglio da Palestina e de Israel. Tudo se reduz a um raciocínio simples, infantil e primário, de dinheiro e força. Tratados, Direito Internacional, diplomacia, são complicações "liberais", quiçá woke. Só há bons e maus, como nos westerns e tal como pensam os seus apoiantes. Nós e os outros. Deus e Satã. Há quem considere isto um "plano revolucionário", "frontalidade" ou, como também li há dias por cá, "sinceridade esmagadora". Eu prefiro chamar-lhe o triunfo da estupidez.