good morning midnight*
uma das coisas mais difíceis em crescer -- envelhecer talvez seja a expressão correcta -- é aprender que não sabemos o que sentimos. ou, melhor, que sentimos hoje uma coisa e amanhã outra e que qualquer delas é ou pode ser verdade.
capricho, disseram-me uma vez: és caprichosa. sou. mas não creio que seja isso, sequer. é mesmo assim. química cerebral, ou corporal, alguma coisa que comi, que comemos (esta é private joke, mesmo se é piada para todos).
por exemplo: achamos que amamos alguém e afinal passado algum tempo achamos que não e que se calhar nunca amámos. achamos que odiamos e de repente damos por nós com quase ternura (a mão de monica vitti numa madrugada de antonioni, maternal: perceber isso passados mais de 20 anos sobre ter visto o filme, e saber que a raiva e o desapontamento podem ter essa redenção).
mais: achamos que esquecemos e afinal não. ou que não e afinal sim. achamos que não queremos saber e afinal queremos. achamos que não desejamos e afinal. achamos que vamos dormir bem e dormimos mal ou não dormimos de todo. achamos que estávamos preparados e afinal não estávamos. que não ia doer e afinal doeu - ou ao contrário. achamos tanta coisa e enganamo-nos em tanta coisa. como podemos confiar em alguém se nós próprios não somos de confiança?
como no meio disto saber como decidir? como não nos arrependermos a cada passo? como avançar? temos de avançar, não é? (era tão bom que pudessemos simplesmente ficar). como saber o que dizer? como encontrar um fio, um caminho, uma espécie de razão?
não saber e no entanto saber. que tudo acontece exactamente como sabiamos que ia acontecer. que pode ser que tivessemos ainda crianças lido o nosso futuro com a nitidez alucinada de uma profecia. lido, não: ditado, escolhido. 'eu quero ser isto, assim'. ou 'eu vou ser, hei-de ser isso.' sem saber o que escolhemos porque ainda é cedo de mais para percebermos o que quer dizer, e quando soubermos será tarde de mais para recuar, para negar, para fugir. uma mistura de personagens, de paisagens, com uma coisa em comum.
está tudo certo, afinal.
* d'après jean rhys