O dayak da paróquia
Dizem alguns que foi tudo por amor à sua terra. Um amor tão grande, tão grande, que lhe causou não poucos dissabores e, sobretudo, incompreensões. Já no passado prestara-se a equívocos desses - aquando da sua apologia ao nascimento enquanto retirada "da vagina ensaguentada" ou arranque "da barriga esventrada" - ao entender o título da célebre obra de Hubert Reeves como homenagem a Mário de Sá-Carneiro. Quando concorreu ao Parlamento Europeu, alguns pensaram que teria então, talvez, tempo e disponibilidade mental para saber quem foi (e ler) Paul Valéry, que perceber que a Europa se estende para além de Amarante e, enfim, que o rio mais belo do mundo não é necessariamente o que lá passa. É verdade que esse amor à terra teve uma consequência lógica: para concorrer às eleições, teria que ser por um partido com esse nome. Dizem as más-línguas que lhe foi então concedido o grau de Grão-Minhoca na Grande Confraria Invertebrada, mas são apenas rumores. Pouco depois de eleito, anunciou o regresso à sua terra; segundo o próprio, para concorrer às eleições legislativas no ano seguinte e, quem sabe, também às presidenciais. Houve quem não entendesse os motivos que o levaram a voltar ao "país insuportável", como o definira uma vez. Dificuldades financeiras não, porque apesar de os eurodeputados auferirem "remunerações vergonhosas", não parece ter prescindido da sua, por não gostar de caridadezinha e por ter então uma filha no estrangeiro, segundo afirmou.
Os etnólogos inclinam-se hoje para pensar que foi uma espécie de "último dos moicanos"; não exatamente destes; dos dayaks, talvez. O último dayak lusitano. Para corroborar esta tese, pesa fortemente a sua apetência para colecionar troféus, sobretudo cabeças, dos seus adversários e dos adversários da terra que o viu nascer. Não inimigos estrangeiros, mas seus compatriotas, porque os problemas nacionais eram mais graves do que os europeus e em Portugal é que estavam os maus e os vilões: a classe política, os corruptos, as elites acomodadas ou a comunicação social. Não toda, é certo (pelo menos, não aquela que lhe servia de tribuna). Alguns dizem que só era compreendido e ouvido em Portugal. Aos amigos mostrava os seus troféus, o rol de vitórias que obteve ao longo da sua carreira. Às portas da morte, não esmoreceu, segundo a lenda: no último suspiro, terá alegado que se preparava para denunciar e combater sem piedade as almas - portuguesas, bem entendido - corrompidas pelo sistema e pelo lobby gay que tentariam subornar o S. Pedro, e ai das que se atrevessem a tentar obter favores divinos.