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Observador (pseudo-)Constituinte por Tiago Antunes

O Observador revela, finalmente, ao que veio: (tentar) implodir a Constituição vigente, abrindo caminho para um novo modelo de sociedade, à la Compromisso Portugal, em que o Estado Social será uma longínqua miragem.

 

Para o efeito, pretendem lançar um “debate constitucional”. E o atrevimento chega mesmo ao ponto de se arvorarem em Assembleia Constituinte, prometendo a elaboração de uma nova Constituição, feita pelo próprio Observador. Sim, é isso mesmo, leu bem: há um jornal online que pretende elaborar uma nova Constituição para Portugal.

 

E que Constituição será essa? A aferir pelo tom absolutamente tendencioso, enviesado e ideologicamente carregado com que atacam e questionam o atual texto constitucional, podemos esperar o pior.

 

Para já, como que para preparar terreno, o Observador foi buscar cinco jovens constitucionalistas e encomendou-lhes um projeto de revisão constitucional. Só que – oh azar dos Távoras – os cinco jovens convidados a fazer o frete constitucional acham que «não, a Constituição não precisa de ser revista».

 

Nada que detenha a agenda constitucional do Observador, claro está. Por ora, segue o projeto de revisão constitucional (que não é necessário, mas sempre abre caminho ao verdadeiro objetivo). Depois – oh, sim, depois – virá a nova Constituição, certamente assinada pelo reputado constitucionalista José Manuel Fernandes.

 

Enquanto não nos chega essa bela peça jurídica, centremo-nos nalgumas das 13 grandes alterações para já propostas:

 

  1. Redução do elenco de direitos sociais e desconstitucionalização do respetivo financiamento, exceto no caso da educação.

Aqui, não se engana ninguém. O objetivo é mesmo estraçalhar o Estado Social, designadamente secando-lhe as fontes de financiamento e eliminando assumidamente da Constituição a tendencial ou progressiva gratuitidade dos sistemas de saúde e de educação (para lá do ensino obrigatório).

Ah, e de caminho altera-se radicalmente o equilíbrio de forças entre empregadores e trabalhadores, uma vez que se procede ao «emagrecimento do capítulo relativo aos direitos, liberdades e garantias nas relações laborais, reduzido ao seu núcleo duro: os direitos de negociação e de ação coletivas». O direito à segurança no emprego (aquele que proíbe o despedimento sem justa causa), por exemplo, desapareceria pura e simplesmente da Constituição. Ou seja: bar aberto de despedimentos, malta!

 

  1. Eliminação da constituição económica nos moldes atuais e sua substituição por um paradigma neutro.

Paradigma neutro??? Oh, sim, pois. Vejamos, então, qual é o dito “paradigma neutro”: «um paradigma neutro [...] cingido à salvaguarda dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos – particularmente, à sua iniciativa económica privada, propriedade privada e legalidade e não retroatividade dos impostos cobrados pelo Estado». “Paradigma neutro” é, portanto, o que estes senhores chamam aos fundamentos basilares do liberalismo económico.

 

  1. Redução do número de Deputados para 200 e criação de um serviço de apoio profissionalizado e especializado para os Deputados.

O que se pretende é uma «reforma da Assembleia da República que utilize os recursos financeiros e humanos libertados pela diminuição dos custos com os deputados na criação de um corpo de funcionários altamente especializados sem qualquer ligação política». Portanto, é suposto trocarmos representantes políticos eleitos e representativos da população por um corpo de tecnocratas, é isso? Os Deputados são, supostamente, a mais e custam muito dinheiro (by the way, nada disto é verdade: o nosso ratio eleito/eleitor é dos mais baixos da Europa), mas se forem substituídos por mais técnicos cinzentões, politicamente assépticos, que ninguém conhece nem elege e que não prestam contas, tudo bem. Que sentido faz isto?

Acresce que o verdadeiro efeito desta alteração seria uma redução da proporcionalidade e, portanto, o afastar da Assembleia da República de alguns pequenos e incómodos partidos, reforçando o centrão.

 

  1. Redução dos órgãos com legitimidade para pedir fiscalização da constitucionalidade abstrata.

Na verdade, o que se pretende é acabar, pura e simplesmente, com a fiscalização preventiva da constitucionalidade (sim, acabar com a possibilidade de fiscalização preventiva, por iniciativa do Presidente da República) e limitar enormemente a fiscalização abstrata sucessiva da constitucionalidade das leis, que passaria a poder ser desencadeada unicamente pelo Provedor de Justiça. É o faroeste, portanto: um sistema em que praticamente não há fiscalização do cumprimento da lei (e não é uma lei qualquer, é a lei fundamental do Estado!), tendo o legislador tem carta branca (ou quase) para ignorar a Constituição.

 

  1. Redução da hiper-rigidez da Constituição, flexibilizando as normas sobre a revisão constitucional.

Primeiro, restringem-se gravemente as vias de fiscalização e repressão das violações à Constituição. Depois, abre-se o campo para a própria mudança do texto constitucional. Em suma, retira-se força jurídica e vinculatividade à Lei Fundamental, que passa a estar sujeita a ímpetos e orientações conjunturais. À luz da realidade recente, podemos bem temer o aconteceria à Constituição...

 

 

PS: para finalizar, não resisto a destacar apenas dois pequenos momentos de absoluto delírio constitucional por parte do Observador:

 

«Temos assim várias questões: por exemplo, saber se o atual texto constitucional é compatível com a expressão democrática da vontade dos portugueses, visto que estes regularmente elegem maiorias e governos supostamente “inconstitucionais”»

 

«A transição tanto pode dizer respeito aos valores constitucionais ― por exemplo, a substituição do Estado de direito democrático por um Estado autoritário ou totalitário ― como à forma, estrutura ou existência do Estado ― por exemplo, a integração de Portugal numa «União Federal dos Povos Europeus» ou a desagregação do Estado português numa constelação de entidades políticas menores (tais como a anexação da região sul pelo Estado islâmico, a formação de uma «República Popular da Madeira» ou a criação nas regiões centro e norte de um «ReinoNeovisigótico»)»

 

Tiago Antunes

 

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