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jugular

sem título, 11 de junho de 2014

é a segunda vez em cinco anos. da outra, estava na redacção no dia em que os escolhidos foram informados. desta, não. calhou estar de férias. calhou que a primeira informação que tive foi de um amigo de fora do jornal, por sms, quando ainda nem tinha olhado para as notícias.

 

não, não era uma surpresa. sabiamos há meses, após a entrada de novos accionistas, e sobretudo depois de o jornal ter reduzido o número de páginas, que era expectável um despedimento colectivo. cada um fez as suas contas de cabeça -- ou no site da autoridade das condições de trabalho onde, sinal dos tempos, existe já até um simulador para indemnizações --, pensou nas hipóteses que tinha, nas despesas fixas, naquilo de que poderia prescindir, talvez até (pensamos essas coisas) que há males que podem vir por bem. e esperou. não há muito mais a fazer, pensámos (não haveria?).

 

uma das pessoas que foi hoje despedida esteve comigo na grande reportagem, o meu segundo emprego. conheço-a há 23 anos. não somos propriamente amigos, mas quando recebi a primeira nota de culpa da minha vida, ofereceu-se para testemunhar por mim. e eu, que posso fazer hoje por ela?

 

duas das outras pessoas que foram despedidas estiveram comigo na notícias magazine. há 17 anos. as outras conheço-as do dn. excepto uma. essa conheci-a em 1992, numa reportagem. conheci-a a fazer aquilo que faz: resistir. jornalismo, se for a sério, é sempre uma forma de resistência, mas no lugar onde ela está é preciso resistir só para manter a cabeça direita.

 

não vou pôr nomes aqui, porque não pedi autorização para isso e porque não faz sentido -- todas as pessoas a quem ontem comunicaram o despedimento têm um nome, uma história, uma vida, não apenas aquelas de quem gosto mais, que admiro mais, de quem me sinto mais próxima ou que fazem mais parte da minha narrativa pessoal.

 

não tenho a pretensão de perceber o que estão a sentir, o que estão a passar; não sei o que lhes dizer. eu, como todos os -- por enquanto -- poupados só posso saber o que sente quem sabe que ficou: uma espécie de traição, tanto mais traidora quando sabemos que, mesmo que eventualmente de nada servindo fazer alguma coisa, não há coisa alguma que nos ocorra fazer a não ser dizer porra, ou merda, ou outro palavrão qualquer, sabendo que do outro lado só se pode pensar 'pois, estás muito sentida  e solidária e tal mas tens o teu emprego, não é? e porque é que tens o teu emprego e eu deixei de ter?'

 

e têm razão. porque é só isso que lhes oferecemos: um ombro, um abraço de adeus. e um não tão secreto suspiro: não foi ainda connosco. e a vertigem de saber que podia ser, que só por acaso não é, o quase desejo que fosse, para não sentir esta culpa, esta responsabilidade, este peso. talvez invejemos a liberdade -- é fácil invejar a liberdade com um ordenado ao fim do mês.   

 

quando foi que nos habituámos a aceitar que somos impotentes? que as coisas são o que são? que as decisões dos conselhos de admnistração, como 'dos mercados', são tão inelutáveis como as forças da natureza? quando foi que ficámos tão cobardes?

 

que aconteceu às comissões de trabalhadores, às negociações entre trabalhadores e empresas, aos compromissos, aos acordos, à divisão de forças? que aconteceu à nossa voz? que aconteceu connosco?

 

colectivo, nisto, só o despedimento. é bom que pensemos nisso -- porque, na nossa hora, teremos por nós exactamente o que agora oferecemos. 

 

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