Sobre a "austeridade expansionista" no Reino Unido
A vitória dos Conservadores nas eleições legislativas há duas semanas no Reino Unido permtiu a muitos concluir, de forma exultante: aí está um governo que, depois de implementar um verdadeiro programa de austeridade, não só põe a economia a crescer como até consegue ganhar eleições.
A maior parte das pessoas assume, simplesmente, que a austeridade orçamental no Reino Unido foi gigantesca, comparável à que foi implementada em Portugal ou, imagina-se, na Grécia. Mas esta percepção é falsa, e os gráficos seguintes - os dados são todos da AMECO - mostram porquê.
No primeiro encontramos a evolução da despesa pública primária entre 2009 e 2014 (2010=100).
Como facilmente se percebe, qualquer semelhança com o que se passou nos 3 países é pura propaganda. No Reino Unido, a despesa pública primária baixou 3% em 2011 por comparação a 2010, o ano em que a coligação Conservadores-LibDems ganhou as eleições, mas manteve-se bastante estável nos anos seguintes. Terminou 2014 residualmente acima do valor de 2011. Aliás, só em 2014, o ano anterior às eleições, a despesa nominal em investimento público subiu 10,2%; se juntarmos o aumento nominal de 2014 e o previsto para 2015, ano de eleições, esse crescimento é de 15%. E não consta que em 2014-5 o Reino Unido estivesse a precisar de políticas contra-cíclicas de investimento público; é mais provável que o governo de Cameron precisasse de garantir a toda a gente que a alegada austeridade expansionista a estava a dar resultados.
Em Portugal, a despesa pública primária caiu 16% entre 2010 e 2012, subiu um pouco - por efeito do TC - um pouco em 2013, e voltou a descer residualmente (à custa de cortes no investimento público, sobretudo) em 2014.
Na Grécia, os cortes violentos começaram antes de 2010, pelo que em 2014 a despesa pública primária estava 30 pontos abaixo da despesa registada em 2009 (2013 é um ano atípico para a Grécia, porque nesse ano foram registadas despesas one-off com o setor financeiro num valor superior a 10 pontos do PIB).
O segundo gráfico mostra a evolução do saldo estrutural.
Portugal e o Reino Unido apresentavam o mesmo défice estrutural em 2010, e se em 2011 a redução foi parecida, a partir dai as semelhanças terminam. O saldo estrutural sofre um agravamento em 2012 e em 2014, enquanto o portugues reduz-se lentamente. Ou seja: Cameron e Osborne desistiram de combater o défice à medida que as eleições se aproximavam.
Quanto à Grécia, é o modelo de virtude neste indicador; curiosamente, o pequeno crescimento verificado em 2014 neste país foi conseguido à custa de um agravamento de 1,8 p.p. do saldo estrutural (que passou de 2,2% para 0,4% do PIB potencial)
O terceiro gráfico destrói qualquer mito sobre a "austeridade radical" no Reino Unido nos últimos anos: mostra que este era o país da UE com o défice estrutural (medido em % do PIB potencial) mais elevado em 2014: 5,3%, 6 vezes superior ao défice estrutural médio da Zona Euro (-0,9%) (já agora, a Irlanda, apresentada como o modelo dos paises que sairam de um programa de ajustamento, é o segundo, com -4,1%).
Em toda esta história, não há grande lições económicas a tirar: dois países (Portugal e Grécia) que fizeram esforços para reduzir o défice mais rapidamente tiveram um desempenho económico pior do que um país (Reino Unido) que cortou muito menos despesa (e aumentou menos impostos). Naturalmente, a austeridade foi muito superior na Grécia, e os resultados económicos e sociais bem mais graves.
A grande questão é, na verdade, política: a forma hábil como um governo conseguiu convencer tanta gente, dentro e fora do seu país, que tinha implementado um programa de austeridade que, final e milagrosamente, tinha conseguido ser expansionista.