Sobre as reações ao Manifesto
Quando li o chamado Manifesto dos 70 não antevi as reações descabeladas que acabou por originar. Trata-se de um texto moderado que pretende discutir o paradoxo de tentar resolver os elevadíssimos níveis de dívida pública e privada existentes no nosso pais através uma política de austeridade permanente - isto é, através de políticas económicas recessivas e socialmente destrutivas.A preocupação essencial do documento, na minha leitura, é a impossibilidade de obter um crescimento económico, que é essencial à obtenção dos saldos orçamentais necessários à redução do stock de dívida pública, através da compressão permanente da procura interna. Num contexto de baixa inflação, os 4,5% do PIB que pagamos anualmente apenas em serviço da dívida, tornam quaisquer cálculos de sustentabilidade fantasias ao nível da famosa fada da confiança. O que é proposto, assim, é que se inicie uma discussão - sempre enquadrada numa solução europeia - com o objectivo de reestruturar a dívida nacional para níveis que permitam a Portugal voltar a ter uma perspectiva minimamente realista de ter um futuro como um espaço onde a democracia e a coesão social - essencial para a existência da primeira - possam continuar a ser construídas.
As reações ao documento não me deixaram apenas surpreendido. Deixaram-me, acima de tudo, preocupado. Desde acusações de falta de patriotismo, a gritos de irresponsabilidade, ou a tentativas de transformar a questão numa luta de gerações, viu-se de tudo. Se é evidente que a violência da reacção é proporcional à importância da abrangência dos signatários, preocupa-me que seja sinal de uma coisa pior. Do impacto que a narrativa falsa, impingida em especial durante estes anos - a crise é só nossa e apenas culpa dessa instituição obesa e maléfica que é o Estado -, tem tido em muita gente. Ao ponto de apenas saberem reagir, a uma proposta fundamentada de reflexão sobre o nosso futuro comum, com insultos e apelos à perseguição de quem se atreveu a contestar o dogma da austeridade permanente.