(Excecionalmente, decidi repetir aqui um post da outra banda)
Na pergunta 22, "O que aconteceu a Bartolomeu Dias?" (pp. 82-84), o texto menciona as comemorações dos 500 anos da chegada do navegador a Mossel Bay, a 3 de fevereiro de 1988. Muito havia para dizer acerca do assunto. O Diário de Notícias do dia seguinte fez eco do que se passou, cá e lá. Em Portugal houve sessão solene na Assembleia da República. Mário Soares discursou, assim como representantes de todos os partidos. É sempre divertido ver a evocação que os políticos fazem da História. Hoje e ontem, agora e sempre, dizem sempre mais sobre eles próprios e as suas preocupações do que sobre a época que pretendem (e julgam) evocar. Soares falou da "vitória da vontade contra o fatalismo, da razão contra a superstição, so conhecimento contra o preconceito", sem deixar de mencionar "a singularidade do génio português" e a sua "tradição de universalismo e de fraternidade". Quanto aos deputados, enfim, ressalvo no livro a curiosidade de ver o PCP a falar da necessidade de "prosseguir a obra dos intrépidos das caravelas" e o CDS a denunciar o apartheid.
Mas o mais interessante passava-se lá, na África do Sul. O enviado do DN Guilherme de Melo conta como foi: 200 mil pessoas a assistir à reconstituição da chegada de uma caravela e do desembarque dos portugueses. E cerimónia oficial com pompa e circunstância, com o presidente Pieter Botha a discursar em africaans, hinos, cânticos, danças folclóricas, ginástica, espetáculo aéreo, largada de 500 pombos brancos. E um grande orgulho e empenho da comunidade portuguesa, como seria de esperar. Entre os convidados portugueses, o bispo do Funchal e o presidente da câmara de Lisboa Krus Abecassis, assim como o comandante Serra Brandão, que presidia à então Comissão do V Centenário. Há um vídeo amador no youtube, aqui. Bom. O que foi notícia, porém, não foi nada disto. Foi um pormenor, enfim, significativo e embaraçante (para Portugal, evidentemente): Mossel Bay era uma praia whites only. Um recente incidente envolvendo um político local levou a que negros e mestiços boicotassem a iniciativa. Portanto, toca de mascarrar uns quantos brancos e pô-los a fazer de "indígenas", na alegada reconstituição (v. recorte). Lindo.
Eu estava no 3º ano de curso. Sim, um ano depois das confusões em Letras. Numa aula de História de Portugal, o nosso velho mestre António Borges Coelho fazia um "tsc tsc" e dizia com ar simultaneamente divertido e amargurado que o envolvimento de Portugal naquela "fantochada" era uma vergonha nacional. E que as comemorações dos Descobrimentos arrancavam com o pé esquerdo. Na altura não percebi. Como em tantas outras coisas, só depois, só depois.
É a minha primeira incursão no mundo editorial fora do âmbito académico e a primeira vez que meti o nariz na "divulgação histórica": 100 perguntas, 100 respostas sobre questões comuns que envolvem a temática dos "Descobrimentos" e da expansão portuguesa. Estão arrumadas em 10 secções, começam com "Foram efetivamente os Portugueses os primeiros a desbravar o Atlântico?" e acaba com um "Que balanço?". O prefácio é do Ferreira Fernandes e a editora é a Esfera dos Livros. Sai para as livrarias no dia 11, e o lançamento será algures nas duas semanas seguintes. Para esmiuçar ideias, trocar impressões, receber críticas, acolher sugestões e levar bordoada, criei um blog: http://100perguntas.blogs.sapo.pt, que começarei a alimentar hoje e que irei completando com informação sobre o livro. Há também uma página no Facebook, onde irei começar a pedinchar likes e a mendigar partilhas e coisas dessas. Desculpem o mau-jeito, é que sou caloiro nisto e ando a ver se escapo às praxes.