Inverno
(John Everett Millais)
O Inverno é a eterna infância do nosso contentamento, das palavras dos anciãos ouvidas à lareira, do sono nos sofás de veludo grená, do corpo espreguiçado em tapetes macios, dos doces das tias velhinhas, dos beijos na testa pelas avós perfumadas a flor, dos gorros feitos à mão e dos bonecos de neve, dos cobertores depois da chuva no caminho para a escola, do chá de limão e das bolachas maria, das primeiras paixões ao abrigo das grandes arcadas no intervalo da aula, do calor dos restaurantes da nossa vida, das manchetes antecipadas, madrugadas de sexta, por chávenas de chocolate quente e espesso, dos quilómetros percorridos para os braços de quem se ama, do sol discreto e afectuoso, das avenidas geladas e dos bengaleiros em Madison Avenue, das aldeias costeiras do Mediterrâneo, das piscinas aquecidas da Irlanda, dos quartos forrados a pêssego, em Cork, da cordialidade da gente de Dublin, do Natal e do cheiro da canela e do mel, dos filmes de Hitchcock e Preminger e das histórias de Simenon, da cabeça afundada num manto de almofadas brancas, companhia minha, com a chuva bela a bater nas portadas, antes de adormecer, tranquila, à espera de mais frio e do novo calor que dele de novo protege. O Inverno é a serena medida da felicidade.