"Quero desde já prevenir o preclaro (ó pra mim a usar um termo do Tiago para desenjoar) leitor para o facto de que sentirá um evidente desnível intelectual entre si e os autores deste cantinho idílico da blogosfera portuguesa: é que nós fazemos parte dessa casta (e como, ó deuses, é difícil aceder a tal patamar) de indivíduos cuja inteligência é claramente superior à de quase todos os restantes seres humanos – o que, como devem imaginar, dá enxaquecas insuportáveis. Quase todos porque não ousamos equiparar-nos ao Daniel Oliveira, um verdadeiro very liberal à americana [“I provisionally define liberalism (as opposed to conservatism) as the genuine concern for the welfare of genetically unrelated others and the willingness to contribute larger proportions of private resources for the welfare of such others. In the modern political and economic context, this willingness usually translates into paying higher proportions of individual incomes in taxes toward the government and its social welfare programs”]. Temos, ainda assim, algo com que contrabalançar: somos extremamente bonitos, logo intelectualmente superiores. Como a Joana Amaral Dias, vá; mas em homem." (Rui Passos Rocha, A DOUTA IGNORÂNCIA)
Eça traçou-nos o perfil à espadeirada. Se percorrermos os seus romances, contos, cartas, acabamos por dar de caras, aqui e ali, com o filho da mãe e com a prima, com o doutor e com o vizinho. O deputado e a puta. O sério e o trafulha. O circunspecto e o fogoso. O cão e o gato. Eu, tu, ele, nós, vós, eles. Estamos lá todos. Ainda que sem absoluta correspondência, é raro não obter, cortando daqui e colando ali, o retrato de alguém conhecido. Não há defeito ou feitio que Eça não tenha passado para o papel.
De todos os retratos traçados, o mais marcante – por ser o que mais predomina na selva – é o de Dâmaso Cândido de Salcede, o da adresse riscada e corrigida para Grand Hôtel, Boulevard des Capucines, Chambre nº 103.
Ao longo da vida, pude encontrar aqui e ali partes desse ser untuoso, escorregadio e gelatinoso. Desse sujeito em forma de jogo de aparências, onde nada é o que parece mas em quem, paradoxalmente, tudo acaba por ser deliciosamente óbvio. Esses dâmasos da vida encontram-se por todo o lado, aparecem-nos à frente em qualquer tipo de circunstância e ficam ali, presos ao chão por uma mola, a fazer poing-poing-poing.
A partir de certa altura, comecei a encará-los como um jogo com a natureza. A mãe dita coloca-me à frente um dâmaso, ou um braço dele. Nas olheiras de uma segunda-feira de manhã ou nos fumos de um sábado à noite. Na caixa de um supermercado ou de beca vestida. A qualquer momento, em qualquer lugar. É um pacto que temos, eu e a essência. Ela, quando lhe dá na gana, atira-me com um. A minha comissão é dar com ele, apontá-lo a dedo. Normalmente ganho, outras vezes aceito ter perdido, que nem todos são assim tão óbvios – atributo que ganharam quando perceberam o óbvios que são. Folha daqui, ramo dacolá e vão tapando as vergonhas.
Tudo isto para dizer que nunca – mas nunca, mesmo – tinha pensado encontrar O ser em toda a sua grandeza, de forma tão aparatosa, tão óbvia e tão declarada como me aconteceu recentemente. Ao primeiro vislumbre, que nem foi visual, ouvi logo do imenso clarão negro que dali emanava. E o meu coração acelerou – tu queres ver?, pensei.
Era (é) de forma tão esplêndida, o espécimen, que até fiquei algo enfeitiçado, por dessa feita me estar a ser dado como que um prémio por anos e anos de esforço e dedicação à cata de. Parecia o modelo de Eça, o da adresse corrigida ele mesmo. O original tão original que fazia o original parecer incompleto. Até errado. Eis o homem, pensei. E agora vou escrever um livro.
Apareceu de abraço sempre armado, de elogio sebento na ponta da língua e da pena. Mas, dissesse o indivíduo o que dissesse, escrevesse sobre o que escrevesse, eu só conseguia ler algo como isto: “Fizemos armas, bric-a-brac, discutimos... Um dia chic! Amanhã tenho uma manhã de trabalho com o Maia... Vamos às colchas”. Sentei-me e esperei e nunca fui às colchas com ele. Avisei quem tinha de avisar e quem podia dispor-se a ir às colchas. Esperei sentado. Não pelo tempo que a coisa ia demorar – que não perspectivava ser muito –, mas porque queria assistir de cadeira ao espectáculo que eu sabia inevitável, esperando que ninguém querido se magoasse.
Lamentavelmente, não foi assim. Talvez o meu aviso – desculpei-me – tenha sido um pouco tímido, talvez as pessoas não lhe tenham ligado muito. Fosse o que fosse, confessei-me depois, a verdade é quando a coisa se deu – o artigo plantado na Corneta do Diabo – até eu fui surpreendido, sem tempo de ir a correr ao Palma Cavalão (também esta curiosa personagem, director da Corneta, começa por aí a proliferar, qualquer dia dedico-lhe uns louvores).
Não era nada disso. Afinal, também o Eça tinha ficado aquém, percebi então. E eu com ele. Estávamos perante algo de novo, mistura de rematada insídia, intrujice cobarde e tiro nas costas. Qual Cavalão qual quê? O que eu tinha entre mãos era algo bem mais complexo. Não exigia o recurso – ainda que metafórico – a directores de jornais como o Cavalão, corruptos e caluniadores. O caso que se me apresentava, e essa foi a minha falha, é que aquele Dâmaso era auto-suficiente. Um Dâmaso-Cavalão. E nesse caso – pus-me nos sapatos dele –, para quê recorrer a outsorcing?
Com esta mistura explosiva é de chamar cópia ao original, que esse que eu conhecia e tinha antevisto e aprendido era só o velho e gasto Dâmaso. Cobarde, repelente, filho-de-agiota-agiota-é, vigarista, aldrabão, impostor, egoísta, sem réstia de ser homem – um cabrão, em suma. Este, sendo tudo isso, era mais ainda. Uma verdadeira e inútil aberração, espécie de prejuízo de pôr um burro a fornicar uma égua.
Andava ele, soube-se depois, de porta em porta a dizer: eu estive lá e sei dos recônditos. Eu conto! Quem dá mais? Não te chega? Não é suficientemente escabroso? – olha que ele chamou àquele filho da puta. Toda a gente já sabe? Então eu tenho aqui outro segredinho acabado de inventar – podes chamar-lhe investigação, se o publicares. Dou-te o que quiseres, quando quiseres, onde quiseres. É preciso é que me pagues com alguma coisa que me enfraqueça a dor que sinto. A dor de não ser gente.
(eu) Eu não sei o resto da história – que ainda está para vir –, mas adivinho-a. Nada te resolverá o problema, minúscula realidade!, nem à esquerda nem à direita. Nasceste com essa dor de não ser gente e há-de ser essa dor que te há-de enterrar, num cemitério deserto, sem ninguém a acompanhar os teus restos com forma de homem sem nunca o teres sido.
E até na morte serás falso.
É que nas costas dos outros vemos as nossas. Não sabes (eu sei que não), mas ensino-te se puderes: por mais que digamos mal uns dos outros – aquele “nós certos, eles errados” que te chega às ventas –, somos homens e mulheres. Tu és um verme e a gente – gente! – já percebeu.
Nem chegas a ser cabrão, que nem nunca terás quem te possa pôr os cornos. És apenas um remorso de gente.
Todos somos sequazes de alguma coisa ou de alguém.
Este que te escreve, por exemplo, enquanto sequaz do verde-tristeza, levou ontem com cinco batatas que até andou de lado. Fiquei sem vontade de sequazar por ali durante algum tempo. Aqui há tempos, conversas como a tua — e agora tenho de levar contigo em stereo, porque gosto muito do Albergue e não dispenso uma visita mensal ao Blasfémias (vale que tens bom corpo para dividir por dois blogues) — afastaram-me da blogosfera por coisa de quinze dias. Logo a mim, sequaz da dita vai para seis anos. Mas andava algo enojado, sabias?, com pouco estômago para aturar tontos. Mas já passou, obrigado.
De ti, por exemplo, dizem-me seres sequaz fundador do PND, que acho que foi — eu vou explicar — um partido que penso já se ter extinguido ou ser já espécie protegida. Agora, garantem-me — falamos muito de ti e das tuas camisas —, deste em sequaz do Pedro Passos Coelho. De alguma forma, também és meu sequaz, uma vez que vejo que me acompanhas com ardimento (até debuxas as minhas auto-estimulações) e ao blogue onde escrevo. Acusas-me (soou a acusação, não sei se foi propositada ou saiu por inabilidade) de ser um dos sequazes do Governo que coloca a liberdade de expressão num patamar qualquer a que apelidas de "este". Votei neste PS e no anterior, sim. É público. Na última vez, até integrei um blogue de apoio, como tu, sequaz meu, saberás, e quero mesmo crer que saquei uma vintena de votos. Hoje? Hoje manteria o meu voto, por falta notória de alternativa. Nem a que é nem a que há-de ser me oferecem credibilidade. Mas, acima de tudo, sou um devoto sequaz da minha consciência, o que me faz dizer sempre o que penso e ser disso acusado vinte vezes por dia, sob a forma de andar a soldo de alguém ou de alguma coisa. Lamentavelmente, o vil metal e o poder que inebria continuam longe das minhas manápulas.
Aqui termino, que tenho de me ir auto-estimular, se bem me percebes. Espero que este tempo que acabei de te dedicar (ainda foram alguns minutos) te aqueça para mais pérolas como aquela com que terminas o teu delírio: "a culpa da censura é do próprio censurado que tudo fez para forçar os coitados dos censores a confeccionarem aquilo que os Rogérios de sempre juram que afinal nunca fizeram.". Tanta palavra bonita. Gostei particularmente daquela coisa dos "Rogérios de sempre". Claro que aquilo tudo, pelo menos ordenado daquela forma, não quer dizer a ponta dum corno, mas que é bonito é. Continua mandar postais, que a gente diverte-se sempre muito a ler-te. És brilhantemente despiciendo.
Onde está a informação genuína? No Mendonça, pois claro.
Segundo o fulano, cujo desarrazoado, por obedecer aqui e ali a regras estranhas ao português (aquele último parágrafo é um portento: "Jornalistas? Informação? Não se vê bem ... Mas vê-se - e lamenta-se - que a oposição (e principalmente o PSD) não compreenda que o PS foi, embora de forma nefasta e asfixiante, extremamente competente, nem leve estes temas muito a sério quando é e quando não é governo."), é algo dificil de perceber: los periodistas portugueses de ahora andam um bocado tolhidos.
Patetices à parte, vou directo à parte que me interessa. Diz o Mendonça: "no DN, João Marcelino cala, omite, propagandeia e faz terrorismo como convém ao governo e ao proprietário do jornal, comprado com empréstimos da Caixa negociados com Armando Vara" (o bold é meu).
Ora vamos lá ver, terrorismo significa o que significa e um tropo não pode ter as costas assim tão largas. PortantoS, pá, o Marcelino, segundo Mendonça, é um terrorista ao serviço do Governo (e ainda por cima, digo eu, sem a cambada de virgens à espera). Isto, claro, em português - e nem sequer estou a descontextualizar, via generalização torpe, a cena. Concedo que o tipo até quisesse produzir um elogio lá na lingua dele, mas em português (naquele que se percebe) deu no que deu. É por estas e por outras que aparecem as entidades reguladoras. E é também por estas e por outras que qualquer dia temos, por causa dos mendonças da vida, uma ERB às costas.
Este é, decididamente, um problema da blogosfera e que a blogosfera tem de resolver. Antes que alguém o resolva por ela.
Os divertidos posts do mano velho, o pintor de investigação Vidal, incidem, essencialmente, sobre dois temas: criticar a jugular, que para ele é sinónimo de PS, logo, de tifo (aconselho-lhe a crónica do MEC, no jornali de hoje), e bajular o portugal dos pequeninos, que para Vidal é algo como desodorizante de casa de banho. O harmónico Vidal, o comunista indomável que tem pesadelos com o portugal jugular (marca registada do seu fel), revela-se um apaixonado defensor "desse espaço crítico irredutível" que João Gonçalves dá à estampa. Por seu lado, o mano mais novo, expoente máximo do jornalismo de investigação luso, na esteira do seu mentor uterino, lá vai tentando, ainda que com tiques de aprendiz, a espécie de 2 em 1 em que se especializou o representante máximo do "ideário" do 5 dias dos tempos que correm. Não posso terminar sem endereçar parabéns a ambos, por, esforçadamente, terem conseguido reduzir o 5 dias a pouco mais do que, hoje por hoje, o dito vale.
O suposto escândalo do dia é o facto de na biografia do Armando Vara, constante no site do BCP, aparecer uma pós-graduação tirada antes da licenciatura. É certo que não acho piada à subversão dos conceitos, à perda de significado daquele pós. No entanto, honestamente, a única coisa que posso concluir é que já em 2004 haveria Universidades a aceitar alunos nessas condições e que já então se poderia tirar uma pós-graduação sem ter concluído a graduação propriamente dita.
Já hoje em dia, com Bolonha, tudo é possível. Sei mesmo de um sujeito ora feito mestrando sem nunca ter conseguido concluir a licenciatura. Daquelas coisas, portanto, que também Dâmaso Cândido de Salcede não enjeitaria. "Chic a valer!" E assim, em breve, no caso do sujeito de que sei, moço gordo e bochechudo, como o de Salcede, que não enjeita a oportunidade de se referir à tese em que tem que trabalhar, teremos um mestre que nunca foi licenciado. E, em calhando, ainda vai a Doutor - quase quase como ter como adresse o Boulevard des Capucines. Nada contra a concretização da possibilidade - pois se ela existe, apenas me rio, neste caso concreto, ao pensar nos ares a que se dá o fulano de que sei. Voltando à primeira história, a de Armando Vara, Carlos Abreu Amorim, que saberá algo que eu não sei, apelida-a de milagre socialista. Se algo, para além de ter votado neles uma única vez, me ligasse ao PS, e dali tirasse o meu pão, poderia dizer que com adversários deste calibre as eleições ganham-se praticamente sozinhas. Assim não sendo, digo-o na mesma, Sócrates que relaxe.
Continuo a aconselhar vivamente a visita, no 5 dias, à caixa de comentários deste post. A dita entrada, publicada a 13 de Novembro do ano passado, continua a ser comentada e visitada. E muito! Aliás, é mesmo possível que se trate dos posts mais visitados e comentados de sempre da blogosfera portuguesa - ainda hoje responsável por fatia muito significativa das visitas do 5 dias, blogue onde pode ser apreciado. À hora que escrevo estas linhas, o fenómeno (segundo a contar de cima) leva 473 comentários - com a particularidade de estarem distribuídos pelos dias que medeiam entre o presente e a data da respectiva publicação (quase há 3 meses), o que é elucidativo. E porque carga de água me dou ao trabalho? Dor de cotovelo, dirão alguns. A esses respondo que nunca tive pretensões de ver parte significativa do sucesso (falando em termos de visitas) do blogue onde escrevo alicerçado num post sacado do you tube - imagino que a coisa não tenha sido pensada assim; tenho, aliás, a certeza que assim não foi - porém, assim acontece. E há que esclarecer. Por rivalidade? Francamente que não. Apenas uma razão me move: é para que não haja mal entendidos e que não se pense, ninguém pense (como já vi escrito demasiadas vezes), por um instante que seja, que esteindivíduo (a quem permitem publicar coisas com títulos como "O sonho dos novos pidezecos, da jornalista Câncio, dos seus jugulares e do PS deles" e "Uma espécie de pidezeca do Largo do Rato") tem alguma coisa a ver com a súbita ascensão dum blogue ao qual, com vergonha o assumo, já tive o meu nome associado.
João Miranda pergunta "se o problema de Mário Crespo é ele ter defender uma opinião contrária à da Fernanda num tema em que a Fernanda tem sido bastante parcial".
Não respondo, que não são contas do meu rosário. Sublinho apenas dois pontos.
Aquele magnifico "ter defender" [fica o registo antes da possível emenda], como se um "de" que se subentende tivesse ficado esquecido e o Mário Crespo colocado na posição de ter de fazer alguma coisa. Algo inimaginável, lapsus linguae manifesto, portanto. E a questão da parcialidade da Fernanda, com a curiosidade da comparação com a notória imparcialidade de Mário Crespo - bem patente, aliás, na crónica do dia.