O não-crente Saramago versus o crente padre Carreira das Neves (ou, refiro-me à crença, será ao contrário?), hoje à noite na SICN
- Saramago corrige Mário Crespo: não tem 87, mas 86 anos.
- Crespo desculpa-se, dizendo que fez as contas por alto.
- Carreira das Neves, após elogiar Saramago como escritor, começa por dizer que não gostou de ler, a páginas 82 de Caim, Deus tratado por filho da p...* (p... quer dizer puta).
- Saramago responde dizendo que se excedeu, que não era necessário. Parece arrependido.
Siga.
- O bailinho bíblico de Carreira das Neves a Saramago, com aquele desparabolizar da Bíblia, atinge contornos ... bíblicos - o crente explica ao não-crente que aquilo tem um contexto histórico e que não pode ser tomado à letra.
- Saramago diz que Deus (deus) é mau, ou não teria (Deus/deus?) escolhido Caim.
- Carreira das Neves ensina a Saramago que a coisa tem que ser contextualizada, que a letra não é a substância (sem aspas).
- A páginas poucas do final, o telemóvel de Carreira das Neves toca. Não é a macarena, mas é parecido. Carreira das Neves desculpa-se. Crespo diz que não faz mal. O toque vai até o fim, com direito ao fio de béque da praxe.
A sensação que me ficou é que Saramago acredita mais em Deus do que Carreira das Neves, tal a indignação que revelou pelo comportamento do segundo (do do meio, Deus). Nem era preciso o abençoado telemóvel ter tocado, que a entrevista já ia divina q.b.. Saramago teme o Deus literal; Carreira das Neves não acredita nele - e o crente vira não-crente e vice-versa.
* "Quer dizer, além de tão filho da puta como o senhor, abraão era um refinado mentiroso (...)" [o bold literal é meu, o literário é do Saramago]
PS - Que não haja confusões, não subscrevo (só se fosse um perfeito idiota e o Memorial do Convento não existisse. E o Todos os Nomes e o Ensaio sobre a Cegueira e o Ano da Morte de Ricardo Reis e a Jangada de Pedra e... e ...) as palavras do sociólogo Gonçalves, na última Sábado [«(...) qualquer versículo do Antigo Testamento, esse "manual de maus costumes", vale a obra inteira do pobre José, embora, no contexto, a pobreza seja só de espírito.»]. Basta o Memorial do Convento, cuja não leitura devia ser proibida (olhó fundamentalismo) para contrariar a sentença à la Saramago do aspirante.