A conferência de Wannsee, em 20 de Janeiro de 1942, e o Holocausto.
Edifício onde se realizou a conferência de Wannsee, nos arredores de Berlim (foto retirada da net)
Em 27 de Janeiro do próximo ano, passam 70 anos após a libertação por tropas soviéticas do campo de concentração e extermínio de Auschwitz, o maior campo de concentração e de extermínio erguido pelos alemães. Tratava-se de um complexo de vários campos, que incluía um campo de trabalhos forçados, Auschwitz III (Monowitz), um campo de concentração, Auschwitz I, e um campo de extermínio Auschwitz II (Birkenau). Situado perto da cidade polaca de Oswiecim e a cerca de 40 quilómetros de Cracóvia, perto da fronteira germano-polaca, anterior à guerra, uma área da Alta Silésia, anexada pela Alemanha nazi à Polónia, em 1939, Auschwitz é hoje um símbolo do maior crime cometido contra a humanidade.
O processo que levou a Auschwitz, onde foram massacrados pelos nazis, cerca de um milhão e meio de homens, mulheres e crianças, na sua maioria judeus, mas também, ciganos, prisioneiros de guerra russos e bielorussos, polacos e presos políticos, já está hoje muito estudado, mas persistem sobre aquele informações erradas e ideologicamente motivadas. Por essa razão, e em prólogo ao que poderá ser desenvolvido, no ano de 2015, quando decorrerem 70 anos após o final da II Guerra Mundial e a descoberta dos campos de concentração e de extermínio alemães, abordarei aqui um episódio, sobre o qual persistem informações erradas. Trata-se da Conferência de Wannsee, realizada perto de Berlim, em 20 de Janeiro de 1942, onde, contrariamente ao que se diz, de que teria sido o momento da tomada de decisão do chamado processo da «Solução Final», foi na realidade uma reunião onde foram formalizados os planos de deportação e extermínio dos judeus dos territórios ocupados pela Alemanha. Utilizarei aqui excertos do livro que escrevi em co-autoria com Cláudia Ninhos, Salazar, Portugal e o Holocausto (2013).
A muito abundante historiografia sobre o Holocausto (ou Shoah), perpetrado pelo regime nacional-socialista alemão tende, na sua grande parte, a considerar que o mecanismo desse extermínio procedeu por etapas, num processo em espiral de radicalização imparável. Ao colocar o anti-semitismo no centro da sua ideologia e prática e começar por definir a figura do judeu, o regime hitleriano apelou de imediato ao boicote ao comércio judaico, em 1 de Abril de 1933. Prosseguiu com a legislação de exclusão dos judeus das profissões liberais e da função pública e, através das Leis de Nuremberga, de Setembro de 1935, atribuiu um estatuto de cidadania e «sangue» diferente aos judeus. Seguiu-se uma política de expropriação e de «arianização» do património dos judeus, levada a cabo paralelamente com a “emigração”/expulsão destes dos territórios alemães, nomeadamente a partir de Novembro de 1938. De seguida, os judeus foram concentrados e enclausurados em guetos, antes de serem deportados para os campos de extermínio, onde foram assassinados em massa.
É hoje também aceite em geral a ideia de que o Holocausto esteve relacionado com a operação «Barbarossa», guerra total na URSS, iniciada em Junho de 1941. Em particular, essa conclusão deve-se ao facto de terem então sido emitidas pelos alemães duas ordens: por um lado, a ordem de execução dos comissários soviéticos (Komissarbefehl) e, por outro lado, a do reforço dos poderes dos Einsatzgruppen, esquadrões da morte que seguiam as tropas regulares da Wehrmacht nos territórios ocupados da Polónia e da URSS, responsáveis por matar cerca de dois milhões de pessoas, nomeadamente civis, na maioria judeus e soviéticos.
A conferência de Wannsee
Em 20 de Janeiro de 1942, realizou-se, convocada por Reinhard Heydrich, a conferência de Wannsee, perto de Berlim, na qual foi delineada a sequência da «Solução Final» já em marcha, por aquele chefe SS (Obergruppenführer-SS) e do RSHA (Organismo Central de Segurança do Reich, que englobava a Gestapo e as outras polícias nazis) e outros catorze dirigentes nazis relacionados com a questão judaica. Começou por ser informado, no início da reunião, que, em substituição da «emigração» dos judeus – política nazi de expulsão dos judeus dos territórios alemães e arianização da sua propriedade, iniciada em final de 1938 -, passaria a ocorrer a «evacuação dos judeus em direcção a leste, com a autorização do Führer».
O grupo de quinze homens reunidos por Heydrich incluía: elementos do Ministério para os Territórios Ocupados de Leste, de Alfred Rosenberg, respectivamente Meyer e Leibbrandt; do Governo-Geral da Polónia, de Hans Frank, Josef Bühler; das SS e polícias, Heinrich Müller, Karl Schöngarth e Adolf Eichmann, todos eles envolvidos no processo de extermínio. Assistiram ainda à conferência elementos dos ministérios do Interior e da Justiça, Wilhelm Stuckart e Roland Freisler, da Chancelaria do Reich, Friedrich Kritzinger, da direcção do Partido nazi, Ernst Kupfer, do ministério dos Negócios Estrangeiros, Martin Luther, do Plano de Quatro Anos, Erich Neumann, e do Departamento Central para o Povoamenteo e a Raça, o SS Otto Hofmann.