a gorjeta
Quando eu tinha uns 10 anos, assisti, no círculo familiar, a frequentes discussões políticas, que se arrastavam durante horas e invariavelmente resultavam inconclusivas. Era um tempo em que a discussão política continha uma carga de frescura, de ingenuidade e de certeza que se foi perdendo ao longo do tempo; hoje, as pessoas manifestam descrença e dúvida; nesse tempo, tudo era certeza e convicção. As clivagens eram profundas e irredutíveis, e geralmente pouco razoáveis. Lembro-me bem das posições de um familiar meu, de “esquerda” e, não por acaso, funcionário público, que falava dos deveres do Estado, dos direitos sociais recentemente adquiridos e que temia, sobretudo, que “isto voltasse para trás”; a responsabilidade pelos problemas do país deviam ser assacadas aos ricos e poderosos, movidos apenas pelo lucro individual. Os que se lhe opunham preferiam mencionar o trabalho esforçado e a ordem social e receavam, antes de mais, a espoliação e a anarquia; culpa? era dos preguiçosos (e invejosos) que só sabiam reivindicar, queriam regalias sem contrapartida e desejavam emprego, não trabalho, porque esse nunca faltava.