Eu sei que, tal como eu e uma minoria de privilegiados, o senhor teve todas as oportunidades, incluindo durante as ditadura de Salazar e Caetano, para vir a fazer parte da elite do regime. Felizmente, tal como eu, teve oportunidade de assistir ao fim do regime ditatorial e fazer parte da elite do regime democrático. Agora o senhor é ministro de um governo liderado por jovens da Direita política, cuja mobilidade ascensional social, como a da generalidade dos portugueses, mas ao contrário da sua, foi possibilitada (e bem) pela democratização social, política e económica proporcionada pelo Estado social dos últimos 36 anos.
Esperar-se-ia que essa possibilidade de mobilidade social ascensional da qual os jovens governantes e elementos da actual elite beneficiaram fosse agora retribuída, aprofundada, alargada progressivamente a mais pessoas e deixada em herança aos que vêm depois de nós. O que se verifica, porém, é algo de muito diverso. Através de uma política de empobrecimento geral dos portugueses – descontando como sempre uma minoria – e do desmantelamento do Estado social, da Escola Pública e do Serviço Nacional de Saúde que estão a ter lugar em Portugal (mesmo para além da Troika), vê-se que quem hoje governa em Portugal e já beneficiou da democratização social, económica e política considera que esse bem seja um privilégio apenas detido por aqueles que já o têm.
Nuno Crato fez ao fim da manhã, na Assembleia da República, o melhor discurso da bancada do governo, até agora, neste debate do Programa de Governo. No tom e na forma, Crato soube usar a sua experiência de divulgador científico. Esteve bem, respondeu às perguntas, disse ao que vinha e o que podíamos esperar do seu mandato.
Mas Crato mostrou mais. O momento em que estava realmente entusiasmado foi a propósito dos conteúdos programáticos e do uso da calculadora. Ficamos todos à espera de ver Assunção Cristas dizer-nos o que pensa sobre máquinas debulhadoras e regadios ou Paulo Macedo explicar-nos os detalhes e o protocolo de uma qualquer cirurgia.
Fala-nos Nuno Crato de independência da estrutura responsável pelos exames em Portugal face ao ministério da educação e, portanto, ao seu ministro. Mas aqui vemos, Nuno Crato, Ministro da Educação, no debate do Programa de Governo, a decidir sobre o que deve e o que não deve ser ensinado, sobre como deve ser ensinado.
Fala-nos Nuno Crato da estrutura pesada do Ministério da Educação que se acha dono das escolas e da educação em Portugal; um monstro a implodir, confirmou. Mas aqui vemos Nuno Crato, Ministro da Educação, a querer impor do alto da bancada do governo o que deve ser ensinado e como deve ser ensinado.
Resta saber se ficaremos pela matemática, ou se também sobre os programas de história, filosofia, biologia e afins teremos de aguardar pelas orientações do Ministro da Educação (as que eram excessivas, quando não eram dele).
A Universidade portuguesa tem conhecido profundas alterações nas últimas décadas, não apenas a nível da governação – nomeadamente a partir da Lei 108/88 da Autonomia Universitária –, mas especialmente a nível do modelo de universidade que desenvolvemos, um modelo em que a investigação foi assumindo progressivamente o papel que detém actualmente. As últimas décadas foram assim anos de consolidação de um modelo universitário em que a qualidade académica é indissociável da qualidade científica.
No dia 30 de Outubro, mais de 1 milhão de pessoas manifestaram-se apenas em Roma contra a reforma Gelmini, embora ao Corriere della Sera a ministra tenha declarado que «aqueles que protestam» contra a sua reforma são apenas «alguns milhares» e «as faculdades ocupadas são pouquíssimas».
Os dois irmãos Humboldt, Alexander e Wilhelm, foram figuras que marcaram indelevelmente a história do que hoje é a Alemanha. Testemunhas do colapso das monarquias absolutas na sequência da Revolução Francesa, ambos ajudaram à construção de uma nova Europa, Alexander destacando-se pelo seu trabalho nas ciências naturais e o seu irmão nas ciências sociais e na educação.
Aristocratas educados no espírito de Rousseau e da escola filantrópica, integraram o circulo de Weimar na companhia de figuras como Schiller ou Goethe. Schiller, o grande poeta da liberdade, teve um impacto profundo em Wilhem, que passou pelo menos dois anos em contacto estreito com o poeta. Em meados de 1794, Wilhem von Humboldt mudou-se com a família para Jena para ficar perto de Schiller, que detinha uma cátedra de história na universidade local.
Outro pensador que teve enorme influência em Wilhem foi Gottfried Wilhelm Leibniz. A visão do mundo e a ética de Leibniz permearam o pensamento e a acção de Humboldt, nomeadamente o conceito de que a procura da verdade é o verdadeiro sentido da vida e de que a perfeição individual o nosso objectivo de vida. Este seria o seu fio condutor para a política de educação que implementou, o Allgemeine Bildung, ou o desenvolvimento intelectual do indíviduo que considerava ser o objectivo do ensino.
Há uns meses escrevi dois posts no De Rerum Natura que hoje me parece muito apropriado recuperar e que tratam de guerras da propaganda em torno da educação.
Deve-se a Dario Hystapis, um dos grandes reis aqueménidas (538-330 a.C.), um fenómeno que perdura até ao século XXI. O monarca atribuiu-se a defesa do Bem e da Verdade, projectando sobre os seus adversários a pecha de serem os defensores da mentira e do mal.
A origem dessa dicotomia ética aplicada à política encontra-se no dualismo original da religião persa, codificada por Zarathushtra ou Zoroastro, em que Ormudz ou Ahura Mazda é o detentor da bondade e veracidade, em oposição a Arihman, o «grande satã», deus do mal e da mentira. Essa dicotomia ética/política atingiu o seu expoente com Mani ou Manes (séc. III), que criou uma religião que pretendia ser «ecuménica», o maniqueísmo, em que foram integrados elementos do hinduismo, zoroastrismo e cristianismo.
Um mural do século XIII, pintado por volta de 1265 e descoberto há oito anos nos banhos públicos da cidade Massa Marittima, na Toscânia, é, na opinião de George Ferzoco, o primeiro «cartaz» de propaganda política na História. É curioso confirmar que embora o teor e forma das mensagens políticas propagandistas tenha evoluído ao longo dos séculos, o seu propósito não variou muito e continua próximo da inovação introduzida por Dario Hystapis.