Nos últimos meses, extremistas salafi devotaram-se a "purificar" o Egipto da imagética religiosa não islâmica, atacando, para além de locais de culto cristãos e sufis, os vestígios da "cultura podre", como se referiu o porta-voz da Al-Dawa Al-Salafya (Salafist's Call) às pirâmides, esfinge e demais templos faraónicos.
Há dias que estou, quando posso, colada à televisão - no caso à Ajazeera -, para tentar saber um pouco sobre o que se está a passar no Egipto, país que gosto muito, por razões históricas, mas não só. Como muitos e muitas, tenho a esperança que o movimento genuinamente pela democracia - que existe, realmente -, não seja cavalgado e instrumentalizado por integristas muçulmanos ou novos ditadores ou aprendizes destes últimos. No Irão, os Ayatollahs já dizem que a luta no Egipto é pela libertação do Islão. Irão, onde há muitos anos, durante a luta pelo derrube de Reza Pahlevi, vibrei, como tantos e tantas, para depois ver Khomeini chegar ao poder.
Comovi-me ao ver os manifestantes a fazer um cordão protector ao museu do Cairo. Entusiasmei-me por ver tantas mulheres nas manifestações, mesmo se ainda estão em minoria. Emocionei-me com a coragem. Fiquei revoltada com a brutalidade e a provocação de elementos da polícia à paisana ou criminosos, alguns pagos, a agredirem os manifestantes contra o regime de Mubarak. Sinto uma enorme admiração pela resiliência e resistência, reveladas por tantos egípcios e egípcias nesta luta pela libertação e a liberdade do seu país.
É verdade que alguns aspectos desta luta me fizeram lembrar o 25 de Abril de 1974, embora reconheça que há enormes diferenças. Desde logo, a queda da ditadura em Portugal foi levada a cabo, em 25 de Abril de 1974, por uma parte das Forças Armadas, apoiada por uma parte da população, que – diga-se – não arriscou nada. No Egipto, está à vista como é difícil remover uma ditadura e são os civis que iniciaram o combate e estão em luta já há quase dez dias, esperando que as Forças Armadas ali actuem ao seu lado. O que ainda não aconteceu.
Por isso, revoltei-me e muito, ao ouvir o deputado do BE, textual e provocatoriamente dirigir-se ao Partido Socialista, afirmando que este seria cúmplice de Mubarak e Ben Ali, dado que estes eram elementos da Internacional Socialista (creio que entretanto expulsos). Claro que o BE conseguiu o que queria: nos noticiários imediatos que ouvi na rádio – que meios de comunicação temos! -, a única notícia era a de que PS e PSD se haviam recusado a votar uma moção de solidariedade com o povo egípcio, não mencionando a provocação.
Não sendo nem de um nem de outro destes dois partidos, afirmo desde já que, em meu nome e em nome da solidariedade que manifesto pelo povo egípcio, não aceito a instrumentalização do BE. Seria tão bom que a luta dos egípcios pela democracia não fosse instrumentalizada! Mas, estamos em Portugal! E em Portugal, sempre que algo se passa, neste caso a nível internacional, há imediatamente uma tentativa da parte de certas forças partidárias de se apropriarem de forma parasitária das lutas dos outros.
Amanhã está marcada uma manifestação, que deveria ser unitária, tal como o foi há uns anos a primeira e única grande manifestação contra a invasão do Iraque onde estive. Ora, já há quem se queira apropriar dessa manifestação com argumentos que nada têm a ver com a razão pela qual é a convocada. Relembro que se trata de solidariedade e apoio à luta dos egípcios pelo derrube do regime de Mubarak e pela instauração da democracia e liberdade. Peço desculpa por poder estar a incorrer num processo de intenção, mas penso que muitos dos que instrumentalizam esta luta nem sequer gostam da palavra democracia (burguesa?).
Eu pessoalmente estou farta de instrumentalizações que sabotam qualquer processo de solidariedade real com povos em luta. E agora vou continuar a seguir a jornada de «partida» (de Mubarak), que está hoje a decorrer nas ruas das grandes cidades do Egipto, na esperança que não seja instrumentalizada por forças obscurantistas e que Mubarak e o seu poder caiam finalmente.
Tal como na revolução verde no Irão, são muitas as egipcias que vieram para a rua manifestar-se contra o regime. Leil-Zahra Mortada compilou uma série de fotos destas mulheres num álbum no Facebook. Vale a pena espreitar.
"The information minister [Anas al-Fikki] ordered ... suspension of operations of Al Jazeera, cancelling of its licences and withdrawing accreditation to all its staff as of today," a statement on the official Mena news agency said on Sunday.
Há uns meses, a propósito de uma «guerra» da Igreja Copta em relação ao casamento de divorciados, foi claro que existia no Egipto uma faixa da população que, como explicou Hossam Baghat, director da Egyptian Initiative for Personal Rights, «fala contra interpretações religiosas que são discriminatórias». Essa faixa da população, em particular os jovens, foi a organizadora dos protestos contra o regime que varrem o Egipto e sobressaltam os líderes mundiais, que começaram, e se propagaram de forma viral, nas redes sociais e blogs (e o Egipto tem uma comunidade blogger muito forte - e muito perseguida, aliás o blogger egipcio mais conhecido, Kareem Amer foi libertado há pouco mais de 2 meses depois de passar 4 anos na prisão por criticar o Islão e o presidente do Egipto, Hosni Mubarak.
Os sobressaltos dos líderes dos países do Médio Oriente são facilmente entendíveis pelo medo do contágio mas quem, como eu, tenha ouvido os comentários dos líderes ocidentais, em particular de Obama, uma total desilusão, poderá ter ficado perplexo com o apoio a Mubarak implicita ou explicitamente declarado. As (não) reacções ocidentais devem-se ao facto de, como em todos os regimes ditatoriais, não existir oposição digna desse nome no Egipto a não ser a Irmandade Muçulmana, que não teve nada a ver com os protestos e só começou, timidamente, a apoiá-los, no 3º dia, e muitos recearem que o vácuo de poder que sempre se segue à queda de uma ditadura fosse ocupado por este grupo sinistro.
Hoje, no 6º dia de protestos, a colagem da Irmandade a este levantamento popular foi firmemente posta no lugar pela população. Aos cantos de Allah Akbar com que tentaram liderar os protestos a multidão respondeu mais alto: muçulmanos, cristãos, somos todos egipcios.