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Da retroactividade...

Em primeiro lugar, quero dizer que não considero que estejamos a viver em regime de Ditadura, muito menos em situação totalitária, e também não sou jurista. Mas quando ouvi hoje que o governo poderá estar a criar uma situação de retroactividade relativamente às actuais reformas dos funcionários públicos, lembrei-me do que aconteceu nos anos 30 do século XX.

Hitler sempre preferiu um sistema em que ele próprio decidisse o que era a lei e, por isso, nunca se preocupou em abolir formalmente a Constituição de Weimar. O novo código criminal do regime nazi, Volksgesetezbuch, cuja criação foi pensada em 1939, nunca foi ultimado, dado que os que eram a favor de Polizeijustiz (Justiça policial) preferiram atribuir plenos poderes à polícia, em detrimento de um Código legal. No pensamento jurídico do nazismo, os dois princípios mais importantes foram a incerteza do Direito e a utilização da analogia júris, proibida pela Constituição de Weimar, ou seja, o «raciocínio analógico».

O ideólogo do Direito nazi, Carl Schmitt, designou o Führerstaat (Estado do Führer) nacional-socialista como aquele que foi criado “legalmente” pela lei «dos plenos poderes», de 24 de Março de 1933, que sancionou o fim da separação liberal constitucional entre poder legislativo e poder executivo e atribuiu um papel crucial ao conceito de raça. No nacional-socialismo, o juiz já não se limitava, como no Estado liberal, a aplicar a lei, mas passava a vigiar a salvaguarda do «bem» e da «saúde» da Volksgemeinschaft (comunidade do povo), elevada como valor supremo. Além da incerteza jurídica e da retroactividade, na Alemanha nazi, o delito deixou de ser encarado como uma violação do Direito, passando a ser considerado um atentado à integridade comunitária, através do decreto sobre o «sentimento são do povo» (gesundes volksempfindem), de 28 de Junho de 1935, que este sim se tornava fonte de lei.

Na dúvida, como disse Mario Turchetti (Tyrannie et tyrannicide de l´Antiquité à nos jours, 2001), o Estado totalitário passou a defender o Estado, in dubio pro republica -, enquanto o antigo Estado liberal protegia o culpado, in dubio pro reo. A defesa da “sanidade” do povo passou a ser o critério de julgamento, ao qual o juiz recorria, para condenar acções não previstas pelo Código Penal. Ou seja, ao não exigir definições precisas dos actos criminosos e ao não censurar a aplicação retroactiva da lei, a legislação nazi criava o medo a insegurança permanentes - o terror, segundo a terminologia de Hannah Arendt.

«IMPERDOÁVEL» disse ele



«Há qualquer coisa de sórdido em imaginarmos a cena: algures, numa sala escondida da Assembleia da Républica, José Pacheco Pereira deleita-se lendo as transcrições das escutas aos casos "laterais" detectados no âmbito do processo "Face Oculta". Enquanto esperava pela anunciada companhia do deputado comunista João Oliveira, ele era o único entre todos os membros da CPI ao caso PT/TVI com tal privilégio - para o qual, aliás, se voluntariou com indesfarçável gula. De muitos outros poderíamos, talvez, presumir falta de consciência plena das consequências deste gesto. De Pacheco Pereira não. Ele sabe muito bem que acabou de atravessar uma linha na areia, para lá da qual se põe em causa o Estado de direito e de onde, provalvelmente, não há regresso»


Miguel Sousa Tavares, Expresso, Primeiro Caderno, pag 09, 22 de Maio de 2010

(imagem retirada da net)

 

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