Algumas palavras sobre hoje e ontem
Sou de uma geração que, ideologicamente, agia segundo vários motes, ou princípios, dos quais escolho aqui dois, para este argumento:
- Definir o inimigo principal para lutar contra ele, fazendo alianças com os inimigos secundários
- Os fins justificam os meios
Continuo a achar interessante o primeiro, como táctica política, mas rejeito totalmente o segundo, considerando até que serviu de mote a todos os crimes, não só contra os seres humanos individualmente, como contra a humanidade. Prefiro a frase de Camus: então se o fim justifica os meios, o que é que justificará o fim? («La fin justifie les moyens. Mais qu'est-ce qui justifiera la la fin?»). Além do mais, mas não só, porque os meios também acabam por definir os fins, ou estragá-los.
Isto a propósito de um post que está abaixo publicado, do meu co-blogger Paulo Pinto. Pelo que acabo de dizer acima, compreendo-te Paulo: certa argumentação pode prejudicar os objectivos desejáveis.
Não estive ontem na Reitoria da Cidade Universitária, mas acompanho com interesse mais esta iniciativa mobilizadora contra o actual estado de coisas. E digo: o inimigo principal neste momento é o governo e a sua política de austeridade. E esta tem de ser travada, através da conjugação de todos os esforços, incluindo os dos "inimigos secundários".
No entanto, considero que não se pode dizer que estamos pior do que no tempo de Salazar, para retratar a tremenda situação actual. É historicamente errado – e anacrónico - dizê-lo e não serve para nada, muito menos para caracterizar o que se passava então e o que se passa hoje.
Dito isto, não querendo parecer estar "a dar uma no cravo e outra na ferradura", penso, no entanto, que, se é melhor não compararmos situações actuais com as do passado, para propósitos políticos actuais - além do mais porque são totalmente diferentes -, também é verdade que no discurso político, podemos por vezes utilizar a História para não cairmos numa situação que sabemos onde poderá ir dar (mesmo de forma diferente do que aconteceu). E o meu inimigo principal, neste momento – longe disso – não é Mário Soares, mas o objectivo contra o qual ele se propõe lutar.