Mas por que me fui lembrar disto? O debate eugénico na primeira metade do século XX
“Aperfeiçoar a raça” através de métodos de controlo e engenharia social foi, na primeira metade do século XX, um tema de debate no seio da comunidade médica, científica, intelectual e política da Europa e da América do Norte, que deu pelo nome de “eugenia” ou “eugénica”. Esses investigadores deixaram-se, por um lado, convencer pela analogia darwiniana entre os reinos animal/vegetal e humano e preocuparam-se, por outro lado, em debelar o espectro da decadência populacional e social, pretensamente devida a factores biológicos mórbidos perigar as sociedades. Baseando-se no darwinismo social do fim do século XIX e nas suas metáforas de aperfeiçoamento, selecção e competição humanas num universo de desigualdades, a eugenia proveio de um terreno filósófico e científico marcado pela teoria evolucionista, pela hereditariedade e pela fé na ciência e no progresso. Essa ideia teria, depois, prolongamento nas concepções voluntaristas e utópicas de criação do “homem novo” e nas visões nacionalistas de “regeneração” da nação do período entre-guerras.
Embora tenha servido às teses ultra-nacionalistas, fascistas e do racismo moderno, nomeadamente do nacional-socialismo, a eugenia também foi assim uma teoria defendida por intelectuais, cientistas e políticos dos campos socialista, feminista e liberal, preocupados com o progresso e a política social do Estado providência. O pensamento eugénico relacionou-se também com questões demográficas de “regenerescência” nacional na medida em que alguns Estados tentaram, através dele, lutar pelo aumento quantitativo e qualitativo das suas populações. A luta pela qualidade prendeu-se com o desejo de lidar com as doenças sociais, mentais, venéreas e infecto-contagiosas que provocavam o temor, num período de crise económico e social, de que as nações estivessem em “decadência”. Mas, além de se prender com a questão nacional e nacionalista e com as relações entre as esferas pública e privada, o debate eugénico também teve repercussões sobre a assistência social e o papel do Estado relativamente ao “bem estar” e à saúde mental e social, num contexto de discussão científica sobre as influências relativas da hereditariedade e do meio ambiente nos indivíduos.