Agora a sério: aproveitar as boas ideias da luta contra a precariedade e falsos recibos verdes
Depois da manifestação de sábado, foi criado um fórum de discussão, onde, como em qualquer fórum, estão a ser apresentadas muito boas, boas, razoáveis, más e péssimas ideias. Rui Tavares, quebrando a sua quaresma, também vem hoje a terreiro, dar algumas ideias.
Penso que a luta contra os falsos recibos verdes, se for debatida sem demagogia, pode trazer ideias muito interessantes. Algo que também é muito importante é fazer a história de como surgiram os recibos verdes. É valorizar determinadas profissões. É dar estatuto às que não têm. É esclarecer que nunca mais haverá emprego para a vida, é mostrar que as reformas dos que se reformam cedo são um encargo acrescido para os mais novos (eu, pessoalmente, não tenciono reformar-me cedo), é fazer apelo à solidariedade entre as gerações, é deixar de lutar apenas a favor dos que têm empregos blindados, como eu acho que tem sido a tendência dos sindicatos, mas lutar por aqueles desempregados que não têm voz e contra os falsos recibos verdes, mosrtrando alternativas credíveis. É rebater a ideia de que todos se devem licenciar. A academia é a academia e nem todos têm vocação para ser académico. O ridículo pseudo-estatuto do «senhor dr.» já deu o que tinha a dar. Mas é também rebater a ideia de que a vida é uma festa, é ir contra a noção de que se conquista algo porque sim. Só se conquista algo - penso eu - à custa de muito trabalho, mesmo que haja também o factor sorte. É valorizar a mobilidade geográfica, a ida para o estrangeiro, o estudo e o regresso a Portugal, é mostrar que estudar é fundamental para se ser livre e ter ideias.
Por isso, por entre más ideias, como a de alguém que sugeriu fazer hortas nos baldios - eu não tenho nada contra, mas pessoalmente não tenho qualquer vocação para a agricultura, nem acho que isso resolva algo - ou a de Rui Tavares, segundo o qual se deveria por em tribunal as grandes empresas que violem as leis laborais, sem ter em conta de que há muitas pequenas empresas que violam esses mesmos direitos, eu gostaria de valorizar uma sugestão apresentada no «Fórum das Gerações», termo aliás que considero mais interessante do que aquele que nunca gostei de «geração à rasca». Trata-se de uma sugestão com a qual estou completamente de acordo:
- a de «criação de pequenas e médias empresas com vista à criação de novos postos de trabalho»
Eu acho que é por aí, até porque não sou contra os recibos verdes, sou , sim, contra os falsos recibos verdes. E o Estado, que não pode resolver tudo - lembre-se que o contribuinte já não tem mais capacidade e o Estado também é ele -, deveria apoiar este tipo de iniciativas, facilitá-las e valorizá-las.
Alguém disse que hoje o filho do sapateiro ou a filha da empregada doméstica já não são obrigatoriamente sapateiro ou empregada doméstica. Ora, isso não é um pormenor, é talvez das grandes conquistas (irreversíveis?) dos últimos 36 anos. E há que lutar para que isso não seja reversível e aprofundar a luta no sentido de o filho do sapateiro ter as mesmas possibilidades de acesso aos bens democráticos do que o «beto». Com essa possibilidade, depois, conta a iniciativa e a ideia. E já agora lutar sem demagogia, falsos unanimismos e sem instrumentalização de forças políticas cujos amanhãs que cantam apregoados já revelaram o que realmente traziam.