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jugular

Bem prega frei Tomás...

Na sua alocucação à cúria romana, Bento XVI referiu-se ao assunto católico do ano: o escândalo do abuso sexual de menores que não poupou nem cónegos considerados tão bons que para um deles até decorria uma campanha para o candidatar ao Nobel da Paz 2011. A estratégia da alocução foi distribuir a grosso da culpa da coisa a todos menos aos culpados, nomeadamente à sociedade que considera tão normal a pedofilia que os padres abusadores não conseguiram resistir aos ares dos tempos. Mais concretamente, Bento XVI usou as alucinações de Hildegard von Bingen para explicar que o pó que mancha a face da Igreja deve ser encarado no «contexto do nosso tempo que é testemunha destes acontecimentos», um tempo em que, segundo Bento XVI, «existe um mercado da pornografia que envolve as crianças, e que de algum modo parece ser considerado cada vez mais pela sociedade como algo normal».

 

Claro que sociedades em que isto acontece só existem na cabecinha «delusional» de Bento XVI, não há nenhuma sociedade que considere a pornografia infantil normal, aliás, consideram-na tão anormal que por acaso até já relatámos alguns excessos de zelo provocados pelo repúdio que merece. Cada vez mais recursos e leis cada vez mais restritivas são dedicadas a combater a pornografia infantil e no entanto Bento XVI, querendo limpar o pó da face da sua Igreja, acha por bem lançar lama sobre a sociedade em geral.

Uma questão de prioridades

Dale Fushek, nos seus tempos de estrela no firmamento da delegação norte-americana da igreja católica, foi um dos responsáveis pelo planeamento e organização das visitas de João Paulo II e de Teresa de Calcutá a este país. Em 2000, Fushek, fundador do maior movimento católico de adolescentes nos Estados Unidos, Life Teens, foi promovido a vigário geral da diocese de Phoenix, Arizona, posição imediatamente abaixo da de bispo. Em 2002 foi promovido a Monsenhor, um título honorífico reservado a padres que se distingam pela sua obra. Desde 1984 que Fushek abusava sexualmente de adolescentes e pelo menos desde 1995 que a hierarquia da Igreja o sabia uma vez que nesse ano fez um acordo monetário extra-judicial com uma das vítimas, alegadamente para evitar os custos do processo.

 

Ou seja, Fushek foi promovido, duas vezes, depois de a hierarquia saber que Fushek era um abusador de menores. Em 2008, Fushek foi excomungado, não por ter abusado sistematicamente de crianças ao longo de décadas mas por ter fundado uma comunidade religiosa fora da ICAR - o Praise and Worship Center. Apenas no mês passado Bento XVI o exonerou de padre.

 

Menos complacência e mais celeridade na resposta por parte da hierarquia da diocese de Phoenix mereceu a irmã Margaret McBride. A freira  integrava a comissão de ética do St. Joseph's Hospital and Medical Center que aprovou um aborto para salvar a vida de uma mulher. Margaret foi imediatamente despedida das suas funções e excomungada pelo bispo local.  Thomas J. Olmsted explicou que as indicações da conferência episcopal norte-americana, que regem todos os hospitais católicos nos EUA, são explícitas: o aborto só é «moral» por recurso à falácia efeito duplo, fora disso não é permitido nem mesmo para salvar a vida da gestante. Semelhante «pecado», isto é, uma mulher autorizar um procedimento que permitiu salvar a vida de outra mulher em vez de ficar placidamente à espera que ela morresse, é tão mas tão mais grave que um padre abusar de menores que a diocese de Phoenix  não teve outro remédio que não expulsá-la imediatamente do rebanho católico!

Dia D indeed

Gosto da tua escolha de palavras, Rui, quando dizes que este será o Dia D para Obama. Mas faltou dizer quem importa derrotar para lá das praias da Normandia, quem são aqueles que fizeram a guerra para impedir que todos os americanos tenham acesso a cuidados de saúde ou que, mesmo aqueles com seguros de saúde, não sejam obrigados a interromper cuidados vitais quando atingem o tecto da respectiva apólice.

 

Claro que estes inimigos são muitos mas o João Galamba indicou-nos o Goebbels da história com aquela recomendação, palerma, da First Things, num dia em que a revista dava palco aos assanhamentos de mais um dignitário da ICAR contra esta proposta de lei. Aliás, basta dar uma espreitadela ao blog do cardeal Sean O'Malley - de Boston, for pit sake, esta gente não tem mesmo vergonha na cara - para ver o tom apocaliptico com que a conferência episcopal deste país,  em perfeita consonância  ecuménica com as restantes confissões cristãs,  pintou esta lei.

 

Loving déjà vu

Richard e Mildred Loving estão indelevelmente ligados à luta pela igualdade racial nos Estados Unidos.  O que lhes aconteceu em 1958 levou à decisão, em 1967, do Supremo Tribunal de Justiça que declarou a inconstitucionalidade das leis então vigentes em 20 Estados dos EUA, que não só proibiam como criminalizavam os casamentos entre pessoas de raças diferentes.

 

Si non é vero è ben trovato

Em inúmeros sites norte-americanos, BoingBoing e Pharyngula inclusive, comenta-se a proposta submetida ao procurador geral da Califórnia por John Marcotte, que pretende levar às últimas consequências a Prop 8. Isto é, se teve um acolhimento tão favorável, por supostamente proteger o casamento «tradicional», a proposta que baniu o casamento entre pessoas do mesmo sexo na Califórnia, Marcotte  considera que, por maioria de razões, o seu «2010 California Marriage Protection Act», que pretende proibir o divórcio, deverá ganhar num «landslide».

 

Embora alguns tenham levado a sério a proposta, parece-me claro que se trata de uma brincadeira destinada a mostrar a hipocrisia dos apoiantes da Prop 8, tão mais claro depois de ter lido um dos artigos constantes no site Rescue Marriage, «Prop 8 supporter blasted for promoting traditional values — like spanking». Também ajudou uma pesquisa rápida que me devolveu a página do autor da proposta, a Bad Mouth, e em particular o artigo que lê:

 

«It’s gone past ridiculous and straight to the absurd. At this point, it appears your average public restroom has more gay Republicans in it than clean handtowels. The “holier-than-thou” party has spent an awful lot of time on their knees this past year, but they haven’t been doing a lot of praying.

I have no theories why this is the case, other than I think that being gay is the way God made some people and being conservative is a choice, and almost every Republican I’ve met thinks the opposite

 

Como é afirmado alhures, « I heartily approve of using the ballot box to smack down the bigots», ou antes, aprovo totalmente a recuperação da sátira para desmascarar a hipocrisa. Força, Marcotte!

E já que um tema na moda tem sido a moral e bons costumes versus pornografia

vale a pena ler um artigo de hoje na New Scientist intitulado «Porn in the USA: Conservatives are biggest consumers», em particular o ponto que trata da correlação entre consumo privado de pornografia e defesa pública da tal «moral»  e  dos «bons costumes»:

 

Residents of 27 states that passed laws banning gay marriages boasted 11% more porn subscribers than states that don't explicitly restrict gay marriage.

To get a better handle on other associations between social attitudes and pornography consumption, Edelman melded his data with a previous study on public attitudes toward religion.

States where a majority of residents agreed with the statement "I have old-fashioned values about family and marriage," bought 3.6 more subscriptions per thousand people than states where a majority disagreed. A similar difference emerged for the statement "AIDS might be God's punishment for immoral sexual behaviour."

"One natural hypothesis is something like repression: if you're told you can't have this, then you want it more," Edelman says.

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