A ditadura portuguesa e a sua polícia política
Versão mais alargada do meu texto relativo à Ditadura portuguesa e à sua polícia política, publicado no jornal «Público», de 29 de Outubro de 2012. Por razões de espaço, a versão do jornal teve de ser abreviada.
Escrever História ou «fazer História» é uma prática baseada num conjunto de regras que, a partir da colheita e análise de fontes, propõe encadeamentos e interpretações para transmitir um conhecimento que se pretende o mais próximo possível da verdade – sempre provisória e relativa -, ou, melhor, da veracidade de uma determinada realidade passada. O historiador, porém, produz um local e um tempo diferentes do local e do tempo onde ele próprio está, e depende dos testemunhos, sabendo que, ao tentar conhecer, analisar e organizar o passado através de um discurso narrativo, o faz em função do presente e perspectivado por este. O historiador pode ser de direita ou de esquerda, mas deve porém, tender para o máximo de imparcialidade. A escrita da História não é neutra e é sempre modelada por escolhas e figuras de retórica e interpretativas, certamente moldadas pela ideologia e a mundivisão do investigador, mas não deve estar ao seu serviço.
O «fascismo» não existiu em Portugal?
Nos anos 80 do século XX, Eduardo Lourenço colocou a pergunta retórica: «o fascismo nunca existiu?» Hoje, segundo penso, não interessa tanto, no estado actual da investigação histórica em Portugal, afirmar que o regime político existente em Portugal entre 1932/33 e 1974 era «fascista», «totalizante» ou «autoritário». Afirmar que se tratava de uma ditadura com características conservadoras, reaccionárias e uma matriz católica não provocará grandes divergências. Ou seja, não interessa tanto saber se o «fascismo» existiu em Portugal, como interessa afirmar que vigorou uma Ditadura em Portugal durante muitos anos, tendo até sido a que maior longevidade teve na Europa do século XX.
O que interessa é caracterizar com o máximo de profissionalismo, capacidade interpretativa e veracidade como funcionava esse regime ditatorial, através das suas diversas instituições, dos diferentes factores e aspectos sociais, económicos e políticos devidamente contextualizados. Interessa também verificar de que forma isso tudo foi vivido no dia-a-dia dos portugueses, sabendo-se que estes não eram uma entidade colectiva mas uma colectividade de indivíduos com interesses e vivências diferentes. A cronologia e a contextualização obrigam a matizar essas mesmas experiências, que foram vividas de forma diferente nos anos 30 do que o foram nos anos setenta do século XX.