Ontem, o Haaretz noticiava que o Kadima de Tzipi Livni aguardava a resposta do Likud e do primeiro-ministro designado, Benjamin Netanyahu, em particular em relação ao processo de Annapolis (que prevê um estado palestino), para decidir sobre uma possível aliança de ambos os partidos. Hoje, diria que a espera acabou com o anúncio de uma coligação do Likud com o partido de extrema-direitaYisrael Beitenu (cujo líder está sob investigação policial num caso de corrupção). A Reuters indica-nos alguns dos termos do acordo assinado entre ambos os partidos, que suspeito não serem aceitáveis pelo Kadima. Como temia desde o início do último conflito israelo-palestiniano, o resultado das eleições e esta coligação não auguram nada de bom para a zona nos tempos mais próximos:
-- "The chairman of Yisrael Beitenu (Lieberman) will serve as deputy prime minister and foreign minister."
-- "Toppling the Hamas government in the Gaza Strip will be an Israeli strategic goal."
-- "The government will act with determination to halt any firing at Israel, with the emphasis on fire from the Gaza Strip."
-- "The government will not conduct political negotiations with terrorist organizations or terrorist elements."
-- "Israel will make every effort, especially with regard to the international community, to prevent the nuclear armament of Iran, while emphasizing that a nuclear Iran, representing a danger to Israel, countries in the region and the entire free world, is unacceptable."
O cessar fogo unilateral anunciado ontem por Ehud Olmert, foi bem recebido pelos EUA, que declararam «esperar que todos os envolvidos cessem os ataques e acções hostis imediatamente» e pela ONU, cujo presidente considerou este «o primeiro passo para a retirada total das tropas israelitas de Gaza». No entanto, parece que o cessar fogo vai continuar unilateral já que o Hamas o classificou como «uma declaração do falhanço de Israel» que não é aceite pelos fundamentalistas islâmicos. Assim, pouco depois depois do início do cessar-fogo foram disparados seis rockets sobre Sderot e foi atacada uma coluna israelita no norte da faixa de Gaza.
Farzi Barhoum, porta-voz do Hamas, declarou que a organização terrorista só aceita um cessar-fogo se este for acompanhado pela retirada total e imediata das tropas israelitas, pelo levantamento do bloqueio e pela abertura sem restrições de todas as fronteiras de Gaza.
Olmert pelo seu lado avisou os militantes do Hamas de que Israel está preparado para o caso de o Hamas não estar interessado em cessar as hostilidades, mais concretamente declarou que se o Hamas «decide the blows they've been dealt are not sufficient and they are interested in continuing the fight, Israel will be prepared for such and feel free to continue to react with force».
O Cairo tem tentado mediar um cessar-fogo bilateral em conversações com o Hamas, aparentemente sem sucesso até ao momento. Mais logo está prevista uma cimeira em Sharm el-Sheikh, no Egipto, que pretende dar apoio internacional à proposta de Israel. Estarão presentes os chefes de estado da Alemanha, França, Espanha, Itália, Turquia, Jordânia e República Checa assim como os presidentes Mahmoud Abbas da Autoridade Palestiniana, Hosni Mubarak do Egipto e o secretário geral da ONU, Ban Ki-moon. De acordo com a Al-Jazeera, não é claro se Israel estará presente no encontro. O Hamas não foi convidado.
Reminiscências da II Guerra Mundial estão presentes num artigo fabuloso na edição de Fevereiro da New York Review of Books, «Eyeless in Gaza», onde Roger Cohen escreve:
The cease-fire under discussion is more formal than the one that broke down late last month, when each side accused the other of failing to live up to its terms, and in some ways seems devised to overcome the last one’s weaknesses.
Unlike the last one, this will be written down, in Israel’s case, in the form of an agreement with Egypt and the understanding with the United States. Israel and Hamas do not speak officially but Egypt has been brokering terms between the two. Israel was unwilling to have an accord that might confer legitimacy on Hamas, which preaches Israel’s destruction.
é completamente idiota falar em racismo no conflito israelo-palestiniano. Não há nem uma «raça» palestiniana nem uma «raça» judaica. Aliás, sobre o tema recomendo a minha primeira leitura de quarta-feira. Podes adjectivar como quiseres aqueles que veêm a questão apenas da perspectiva israelita ou os que se recusam a desumanizar ambos os lados, mas racista é completamente errado. Já agora, parece-me que incorres no outro extremo, isto é, desumanizas os israelitas logo no título do post. Nem os palestinianos e israelitas nem o conflito entre ambos encaixam numa visão a preto e branco...
Mona Eltahawy é uma jornalista egípcia que vive nos Estados Unidos desde 2000. Mona, que tem sido muito activa na Progressive Muslim Union e uma crítica muito dura da Irmandade Islâmica, faz uma reflexão no Washington Post de hoje que vale a pena ler.Um excerto para abrir o apetite:
Does Israel want to make heroes of Hamas in the way it did Hizbollah? What has been achieved from the blockade of Gaza except for suffering of civilians whose leaders care for them as little as Israel does?
Talking about Hizbollah and unwise leaders, has Hassan Nasrallah forgotten that while he rails against Egypt for aiding the blockade of Gaza that he lives in a country, Lebanon, keeps generations of Palestinian refugees in camps that serve as virtual jails?
Terrific . . . highly recommended for those who want to appreciate the dilemma of the Palestinian democrat.--Christopher Hitchens, Slate
A bighearted, admirable, and exceptionally interesting account of Nusseibeh's struggle for an equitable peace in a conflict in which compromise is often interpreted as treason. This is a rare book.--Jeffrey Goldberg, Los Angeles Times
Once Upon a Country is a subtle, sad, and humorous memoir that casts a fresh light on the Israeli-Palestinian tragedy and a vivid picture of Palestinian society as well.--Amos Oz.
Estas são algumas das críticas a um livro admirável de um homem admirável. Sari Nusseibeh, descendente duma família que vive em Jerusalém desde 638, é professor de Filosofia Islâmica na Universidade Al-Quds, a única universidade árabe em Jerusalém a que preside desde 1995. Escreveu dezenas de artigos sobre a solução do conflito e sobre o que poderia ser um possível acordo com Israel. Foi um dos mais moderados assessores de Yasser Arafat e antigo comissário da OLP para os assuntos de Jerusalém. Mas Nusseibeh, a quem o Hamas já condenou à morte por traição, acha que a solução não é possível sem que se altere a forma como muitos palestinos olham para Israel e para si próprios - pensamento que, por exemplo, Lafif Lakhdar, partilha.
Por terras de Oz, um comentador de seu nome Viana insiste em defender com unhas e dentes o «moderado» Hamas, a sua disponibilidade para negociações - renegando os seus estatutos, e as suas afirmações reiteradas de que nunca reconhecerá o estado de Israel mas isso é um pormenor despiciendo - e as suas boas intenções. Hoje, enquanto folheava o New York Times, confirmei quão presa na História vivo e quão moderado é o Hamas:
At Shifa Hospital in Gaza, the director, Dr. Hussein Ashour, said that keeping his patients alive from their wounds was an enormous challenge. He said there were some 1,500 wounded people distributed among Gaza’s nine hospitals with far too few intensive care units, equipped ambulances and other vital equipment.
On Monday, Dr. Ashour was not the only official in charge. Armed Hamas militants in civilian clothes roamed the halls. Asked their function, they said it was to provide security. But there was internal bloodletting under way.
In the fourth-floor orthopedic section, a woman in her late 20s asked a militant to let her see Saleh Hajoj, her 32-year-old husband. She was turned away and left the hospital. Fifteen minutes later, Mr. Hajoj was carried out by young men pretending to transfer him to another ward. As he lay on the stretcher, he was shot in the left side of the head.
Mr. Hajoj, like five others killed at the hospital this way in 24 hours, was accused of collaboration with Israel. He had been in the central prison awaiting trial by Hamas judges; when Israel destroyed the prison on Sunday he and the others were transferred to the hospital. But their trials were short-circuited.
A crowd at the hospital showed no mercy after the shooting, which was widely observed. A man in his 30s mocked a woman expressing horror at the scene.
Amos Oz, fundador e principal representante do movimento Paz Agora, concedeu esta entrevista em 2007, quando recebeu o Prémio Príncipe das Astúrias de letras. Vale a pena ver a conferência de OZ em Princeton (disponível aqui) em que ele desenvolve de forma magistral os tópicos abordados nesta entrevista rápida, em especial a parte em que Oz deplora os que se precipitam em tomar partido (cerca dos 38 minutos).
Vós que viveis tranquilos Nas vossas casa aquecidas, Vós que encontrais regressando à noite Comida quente e rostos amigos: Considerai se isto é um homem Quem trabalha na lama Quem não conhece paz Quem luta por meio pão Quem morre por um sim ou por um não. Considerai se isto é uma mulher, Sem cabelos e sem nome Sem mais força para recordar Vazios os olhos e frio o regaço Como uma rã no Inverno.
Em 1944, Primo Levi, um doutorado em química de 25 anos, estava preso em Auschwitz. O «mal absoluto» a que assistia diariamente transformara-o num velho de memória quase apagada que nem «o cheiro limpo da química», que fora, como recordou no livro «A tabela periódica», um «antídoto contra o fascismo» que suavizou o «odor fétido na história ou filosofia ensinada nas escolas fascistas» reacendia.
Levi, que descobriu poesia na tabela periódica, «a ponte, o elo perdido entre o mundo das palavras e o mundo das coisas», recordou outra poesia uma certa manhã, numa caminhada para ir buscar sopa com um camarada de infortúnio, Jean Samuel, o Pikolo. Levi recordou «O Canto de Ulisses» de Dante Alighieri, poema que descobriu ser a ponte entre o que restava de si e o mundo. Os versos dantescos «Não fostes feitos para viver como brutos / Mas para seguir virtude e conhecimento» foram o mote para o livro que escreveu entre Dezembro de 1945 e Janeiro de 1947. O título escolhido, «Se isto é um homem», deixa antever uma interrogação penosa sobre a natureza humana, uma procura da resposta à pergunta que Auschwitz invoca em todos nós: «O que é um homem?».
Hoje, quando as notícias que nos chegam da guerra semeada há cerca de 60 anos pela consciência atormentada do Ocidente invocam as interrogações de Levi, evocam igualmente a pergunta de Primo Levi no seu último livro, «Os afogados e os sobreviventes»: será que o mundo que permitiu o Lager (Auschwitz) desapareceu, para nunca mais voltar? «Não!» alertou Primo Levi. Gaza hoje, assim como o Darfur e demasiados outros locais, corroboram o alerta de Levi.