Cuidado com o homossexual provinciano sem pêlos e deslumbrado com as gajas da cidade que ousam trazer às escâncaras o segredo do templo
José Saraiva, o arquitecto que um dia há-de ganhar o Nobel da Literatura, não pára de produzir coisas bonitas. Depois do "menino que só gostava de brincar com bonecas, tachos e panelas" e virou paneleiro [o paneleiro, salvo seja, é meu] - o que só pode ter acontecido por causa da propensão para as panelas -; depois da revelação de que a ‘Face Oculta’ tem algumas das suas raízes longínquas no deslumbramento de alguns “com a dimensão da cidade, com o luxo da cidade, com as luzes da cidade, com os divertimentos da cidade, com as mulheres da cidade”; eis que Saraiva discorre sobre pêlos. E da forma brilhante como só um futuro prémio Nobel sabe fazer:
“Mas o que dizer da depilação das pernas? Isso, então, parece-me uma verdadeira aberração. Porque aproxima os homens dos eunucos, daqueles seres castrados a quem faltam as hormonas masculinas – ou a quem foram ministradas em excesso hormonas femininas. Esses seres de pele lisa, sem asperezas, destituídos de masculinidade, ganham um aspecto estranho, por vezes mesmo algo repelente, porque tudo o que é indiferenciado é susceptível de causar repulsa.” (…) Os pêlos púbicos sempre foram um motivo de atracção para artistas e escritores ao longo dos séculos, porque simbolizavam o mistério feminino, escondiam o fruto proibido, guardavam o segredo do templo. Na pintura, na escultura, na literatura, a zona púbica tornou-se um poderoso símbolo erótico, na medida em que representava o último reduto das defesas do ‘sexo fraco’. Ora também isso desapareceu. Muitas mulheres depilam hoje as zonas íntimas, num exercício negativo e ofensivo do que é natural, autêntico, genuíno. Mas as modas vão e vêm – e a humanidade civilizada acabará por redescobrir a poderosa carga erótica e sensual dos pêlos."
Cruzando as três crónicas, temos que o monstro de José António será algo como um homossexual provinciano sem pêlos e deslumbrado com as gajas da cidade que ousam trazer às escâncaras o segredo do templo.