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"Evite dar ouvidos a monomaníacos, gente de uma só causa e uma só ideia. Mas não desconfie menos daqueles que estão sempre prontos a discorrer a todo o momento sobre qualquer assunto, sobretudo se forem vivos de espírito. Duvide de afirmações taxativas, unilaterais, lapidares. Procure conhecer as opiniões contrárias, principalmente aquelas de que à partida discorda. Lembre-se de que, se toda gente concorda com algo, provavelmente tratar-se-á de um erro.
Faça de conta que o mundo existe fora das suas opiniões. Pratique a ironia em relação às suas certezas pessoais. Ensaie pensamentos desconfortáveis. Duvide. Esqueça. Aprenda.
O cepticismo, outrora luxo de filósofos, é agora necessidade que todo o cidadão precisa de cultivar, sob pena de a estupidez tomar conta do mundo."
João,
parece impossível mas já passou um ano. Passaram 365 dias sem te ler, ouvir, ver. Senti a falta: o que dirias, João, sobre isto? Sobre um Portugal e uma Europa, piores ainda do que quando partiste?
Reli os teus posts, muitos deles proféticos. Hoje escolhi este, do «silêncio». Depois da «manif» de Setembro de 2012, quando estivemos juntos – contentes de e por nos vermos ali – e regressou a palavra de ordem «O povo unido…», veio a de Março de 2013. Estava tanta gente, é difícil contabilizar, como em Setembro, mas havia um ar de derrota, de estarmos ali, porque era pior não estarmos…, de silêncio, nas faces de velhos. Como tu e como eu? A quem já não cabia “organizar” aquilo – ai, como é difícil, perdermos o hábito -, mas apenas estar ali. E o que gostávamos de que, em vez de «que se lixe…», se lixasse mesmo e tivesse sido gritada aquela palavra de ordem, criada por ti. que aqui fica – para sempre – em letra escrita - «traste», «nunca me enganaste».
João, nunca me enganaste. Saudade.
O silêncio
Ouvi e li já muitos comentários inteligentes sobre o silêncio que dominou longos trechos da manif de 2 de Março. Eu próprio me atrevi a adiantar no Twitter algumas opiniões em cima do acontecimento.
Pensando melhor, porém, seria talvez preferível que, antes de ousarmos adentrarmo-nos pelas profundidades simbólicas do silêncio, começássemos por constatar o óbvio: a principal razão porque as pessoas caminhavam caladas era por não haver palavras de ordem para gritar.
Esta estranha circunstância reflecte tanto a incompetência da organização como a inépcia de uma oposição que, de facto, é incapaz de marcar a agenda política com ideias e reivindicações relevantes.
Uma passagem do artigo de Vítor Malheiros hoje no Público destaca alguns sentimentos que poderiam inspirar uma mão de cheia de slogans apelativos: “[As pessoas] vieram dizer que não aceitam a democracia diminuída em que vivem, que não aceitam ser governados por colaboracionistas em nome de interesses alheios ao povo.” Este tema dos “colaboracionistas” parece-me, em particular, ter um potencial garantido para inflamar os corações e irritar o governo.
Lembro-me que, antigamente, os comunistas usavam sem olhar a poupanças a expressão “vende-pátrias” para caracterizar políticos como aqueles que hoje nos governam. Mas é um facto que já não há comunistas como dantes.
Experimentem para a próxima lançar a palavra de ordem: “Cavaco, és um traste/ nunca me enganaste” e verão como conseguem pôr todos os velhinhos aos gritos.
João Pinto e Castro
Jugular, 5/03/2013
The Angelus
1857 /1859
Oil on canvas
55.5 × 66 cm
Musée d'Orsay, Paris, France
João, aqui no «Jugular», eramos os mais velhos, de outra geração. Tu tinhas a minha idade, eras até um pouco mais novo. O que eu gostava de te ler, da tua inteligência, da tua ironia e do teu maravilhoso sentido de humor, bem como do teu sentido de previsão (quase profético). Acabei de ler um texto teu de 2003, sobre o euro, estava lá tudo. Gostava de estar contigo, seguir o teu pensamento brilhante, original, acutilante e criativo. Os teus textos na imprensa e os teus posts, não só os “económicos” (como diz a Shyz), eram maravilhosamente bem escritos. Eu também tinha predilecção por aqueles, curtos, sintéticos e cáusticos, indo directos ao alvo e, como já alguém hoje disse, completamente compreensíveis.
Contigo, tenho uma história que vou contar agora. Conheço-te desde “miúda”. Eramos crianças, quando nos encontrávamo-nos nos aniversários de amigos comuns, e brincámos juntos. Depois, nunca mais te vi, até uma noite, em 1973, ou início de 1974, antes daquela madrugada clara e luminosa, que ambos tanto gostamos – não sou ainda capaz de utilizar o verbo no passado -, de 25 de Abril. Eu vinha de Queluz, de um encontro político clandestino, a conduzir um «Morris» e, pelo retrovisor – olhávamos naqueles tempos sempre à nossa volta -, comecei a ver um automóvel sempre atrás de mim. Pensei, como todos pensávamos então, que se tratava da PIDE e comecei a pensar que jamais poderia chegar a minha casa, em Lisboa, com aquela viatura atrás. Como sabíamos, em caso de prisão, o que se fazia era fazer barulho para que eventualmente alguém ouvisse e avisasse que nos tinham apanhado e estávamos nas mãos da polícia política. Ora, era noite, e às tantas cheguei à Avenida Fontes Pereira de Melo, perto do Marquês de Pombal muito próximo de minha casa, quando vi a solução.
O semáforo estava vermelho, olhei para o automóvel do lado e vi-te, a ti, aquele miúdo que eu conhecia de pequena e que tinha perdido de vista. Pensei que podia confiar em ti e pedi-te ajuda. Parada no semáforo, saí do carro em plena Fontes Pereira de Melo e dirigi-me a ti. Estavas ao volante. Não sei o que te disse, porque à época não se falava expressamente, muito menos da PIDE/DGS, mas contei-te que pensava estar a ser perseguida e pedi-te para ires atrás de mim até minha casa, dando-te a morada. Assim fizeste e o certo é que a viatura que me seguia desde Queluz, viu o que estava a acontecer e despareceu. Nunca soube se se tratava da PIDE, ou de outro perseguidor qualquer, mas sei que me “salvaste”. Depois, ria-me a pensar o que terias tu achado de mim: se eu era louca ou paranóica?
E o mais curioso – soube muitos anos depois, quando de novo te reencontrei e fizemos parte dos mesmos blogues – que também tu estavas organizado num partido clandestino contra o regime ditatorial e a guerra colonial, o que te fizera correr então um risco muito maior do que eu pensava. Pertencíamos a duas organizações políticas clandestinas da esquerda radical, parecidas mas diferentes, em tempos de sectarismo e de todas as “certezas”. Nunca esqueci a ajuda que então me prestaste. Tinha esta história para te contar e ver se te lembravas dela, mas, nos nossos numerosos encontros, nunca te falei dela.
Agora já não te poderei contar o episódio, mas vou contar à Gina, na qual penso neste momento. E nos teus filhos, Inês e André. João, que bonita história de amor a tua e a da Gina. Saudades.
Rogério da Costa Pereira
Rui Herbon
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