O último magnífico ensaio de José Medeiros Ferreira
Para avivar a memória e o conhecimento da História da integração europeia, apelo a que se leia Não há Mapa Cor-de-Rosa. A História (Mal)Dita da Integração Europeia, magnífico ensaio de José Medeiros Ferreira, brilhante intelectual de esquerda, recentemente falecido, que, infelizmente, não «hegemonizou os media».
Trata-se da última obra deste historiador, que, em 1977, enquanto ministro dos Negócios Estrangeiros do I Governo Constitucional, foi o responsável pela rapidez do pedido de adesão plena à então CEE. Eu, pessoalmente, aprendi muito e aproveito para referir dois episódios relatados no livro. Um deles é o conteúdo do discurso de Pierre Mendès-France, proferido na Assembleia Nacional francesa, em Janeiro de 1957, numa crítica ao Mercado Comum projectado por Jean Monnet. Além de desmentir o argumento de que o alargamento do mercado interno seria por si só sinónimo de aumento do bem-estar geral, este brilhante governante francês disse, de forma profética:
«A abdicação de uma democracia pode ser conseguida de duas formas, ou pelo recurso a uma ditadura interna concentrando todos os poderes num único homem providencial, ou por delegação desses poderes numa autoridade externa, a qual, em nome da técnica, exercerá na realidade o poder político, que em nome de uma economia saudável facilmente irá impor uma política orçamental, social (e) finalmente uma política…» (p. 97).
Aconselhando a ler mais Mendès-France que jean Monnet, Medeiros Ferreira conclui, no final do seu livro:
«O erro inicial foi o da fuga à vontade dos povos e ao escrutínio democrático a nível europeu. Disse-o Mendès-France com clareza (…). O chamado “método Jean Monnet” acabaria por criar um hiato entre a Europa dos oligarcas e dos burocratas e a Europa dos Cidadãos para surgir agora a Europa das Chancelarias. Ora, a Europa das Chancelarias não é um passo em frente em relação à história do continente (…)» (p. 155).
Pelo meio deste excelente ensaio, fica-se também a saber de algo que não é dito nos media, em particular que Cavaco Silva confessou, no II volume da sua Autobiografia, ter sido responsável, na reunião dos governadores dos bancos centrais, de 4 de Abril de 1992, que «fixou a taxa de câmbio do escudo e a consequente entrada no Sistema Monetário Europeu com um valor que prejudicou a competitividade das empresas exportadoras portuguesas». Ele próprio conta que, para ultrapassar um impasse, deu «indicações para que fosse aceite a proposta de compromisso apresentada pelo governador do Banco da Alemanha, Hans Tietmayer de uma taxa de câmbio de 178,753 escudos por ECU» (p. 118)