Ricardo Araújo Pereira pede a marinho pinto para caracterizar a Justiça portuguesa "numa palavrinha só". O bastonário da Ordem do Advogados - da minha Ordem - não hesita: "Fujam!". Um fujam exclamado é a escolha do bastonário que temos e, provavelmente, merecemos. Assim se cumprem, à la marinho, as atribuições da Ordem dos Advogados.
Urge desprezar coisas tontas como: defender o Estado de direito e os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos e colaborar na administração da justiça; assegurar o acesso ao direito, nos termos da Constituição; zelar pela função social, dignidade e prestígio da profissão de advogado. "Fujam!" mas é!
Salvo erro, nunca por aqui falei de Marinho Pinto e da forma como este conduz os destinos da Ordem dos Advogados. Salvo erro, porque é natural que alguma vez a resistência tenha pecado por escassa e a caneta tenha acabado por pingar - tantas foram as ocasiões em que me apeteceu dizer algo sobre quem, em demasiadas ocasiões, não conseguiu ficar calado em situações em que tal se impunha; não perdendo de vista que, goste-se ou não (eu não gosto e espero que Marinho Pinto também não), sempre que aquele homem fala, fala também o Bastonário da Ordem dos Advogados.
Tenho de Marinho Pinto a imagem de um homem de metralhadora a disparar em todas as direcções. Com tantos tiros dados, alguns hão-de acertar o alvo – questão de probabilidade estatística (imaginem-se de G3 naquelas barraquinhas de tiro aos patos - é inevitável que alguns tiros saiam certeiros). Nestas rajadas mediáticas a que o Bastonário é dado, acaba pois por ser natural que, mais do que uma vez, todos nós tenhamos concordado com as opiniões manifestadas (o tipo de caudal torna impossível que tal não aconteça).
Porém, no reverso da medalha vê-se a porca a torcer o rabo. Por mais que o Bastonário acerte, os danos causados pelos inúmeros tiros ao lado, tiros na água se quisermos mudar de jogo, são demasiados para poderem ser desculpados ou, ao menos, vistos como colaterais necessários a um fim que justifica os meios.
Desde logo, desconheço o fim, a finalidade, os reais objectivos de Marinho Pinto, ignoro completamente, e francamente até ao fim do mandato nem quero saber, se tem uma agenda própria, supra ou lateral ao cargo que detém - nem quero ir por aí. O que me incomoda deveras é ver o Bastonário, que também é o meu, a fazer supostas revelações bombásticas no Boletim da Ordem, ali abordando temas completamente estranhos aos desígnios da Ordem, que nada a favorecem, e que caberiam melhor em páginas de jornais sensacionalistas – veja-se, a este propósito, o título da capa de Abril que ao lado reproduzo: “CASO FREEPORT – Carta anónima que incriminou Sócrates foi combinada com a PJ”. Como exemplo e para que melhor se entenda o que era e para que serve o dito Boletim, pegue-se nas edições de Março-Abril, Maio-Julho e Agosto-Outubro de 2005 (na altura a peridicidade era bimestral) e vejam-se as chamadas de primeira página: respectivamente, “Novo Estatuto – Novas regras profissionais – Entrevista com António Vitorino”, “Férias Judiciais – Entrevista com Mário Raposo” e “A Reforma do Estágio – Entrevista com Rui Medeiros”. A aparente nova missão do Boletim não passa, claramente, de um equívoco de monta.
Como apropriada ilustração de tudo o que acabo de dizer, veja-se o caso do mais recente artigo de Marinho Pinto, que dá título à já referida edição de Abril, artigo que se diz ser de opinião, quando manifestamente não o é – se bem o li e entendi, ali são revelados factos que em muito extravasam o conceito de mera opinião. O artigo de Marinho Pinto consubstancia-se numa espécie de artigo de jornalismo de investigação a la Felícia Cabrita, ainda que em sentido inverso.
Independentemente da bondade da investigação e da fidedignidade dos factos ali tratados e relatados (sobre os quais não me pronunciarei), custa-me demasiado ver o Bastonário a assinar um artigo onde, para além de se abordar de forma crítica um processo judicial pendente, se refere, nomeadamente, que «a ideia da carta “anónima” parece ter surgido num contexto de encontros e reuniões entre inspectores da PJ, jornalistas e figuras políticas ligadas ao PSD e ao CDS» e que «Papel importante nessa reuniões parece ter tido também um individuo de nome José Maria Belo, que costumava ir à caça com Elias Torrão, já que terá sido por seu intermédio que este inspector da PJ organizou os encontros com Armando Carneiro, Vítor Norinha e Miguel Almeida» [meus sublinhados].
“Parece”, “parece”, “terá sido”?
Dores à parte, e as minhas são pouco mais que irrelevantes, termino como faz Marinho Pinto no artigo que faria melhor figura noutra publicação e assinado por outro indivíduo: «Uma coisa é certa: este tipo de situações não prestigia a justiça e, sobretudo, não dignifica o Estado de Direito Democrático nem as suas instituições mais relevantes». Mutatis mutandis…
A Ordem dos Advogados ainda é uma instituição relevante do Estado de Direito Democrático e artigos deste cariz nada fazem pela sua preservação como tal. Sinto-me particularmente à vontade para escrever e assinar este post porque também eu aposto na existência de uma campanha negra contra Sócrates.