Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

jugular

As torturas da PIDE. A propósito do relatório sobre as torturas da CIA

Ao chegar à Presidência do Conselho de Ministros, em 1932, António de Oliveira Salazar considerou desde logo os «inimigos do Estado Novo» como «inimigos da Nação», contra os quais e ao serviço da qual – «isto é: a ordem, do interesse comum e da justiça para todos» – se podia e devia «usar a força, que realizava, neste caso, a legítima defesa da Pátria». (sublinhado do próprio texto do «Decálogo do Estado Novo»). Ao então jornalista António Ferro, que, nesse mesmo ano, o entrevistou, interrogando-o acerca do que se dizia sobre os maus-tratos exercidos pela polícia política do novo regime, Salazar declarou que se chegara «à conclusão que as pessoas maltratadas eram sempre, ou quase sempre temíveis bombistas, que se recusavam a confessar, apesar de todas as habilidades da Polícia, onde tinham escondido as suas armas criminosas e mortais». Ora, segundo disse o chefe do Estado Novo, «só depois de (a polícia) empregar esses meios violentos, é que eles se decid(iam) a dizer a verdade», pelo que Salazar perguntou ao seu interlocutor, «se a vida de algumas crianças e de algumas pessoas indefesas não vale bem, não justifica largamente, meia dúzia de safanões a tempo nessas criaturas sinistras ...» (Ferro: 1982, 54).

Nesta frase está contido todo um programa, que a Central Intelligence Agency (CIA) também tem utilizado para justificar o injustificável: que a utilização da tortura permite salvar vidas humanas, ao possibilitar captar informações sobre atentados que se iriam reazlizar. Tendo em conta que o Portugal de Salazar e de Caetano era uma ditadura, sem qualquer comparação com regimes democráticos, o que chama desde logo a atenção é o facto de muitas torturas usadas pela PIDE/DGS também o terem sido utilizadas pela CIA recentemente. Por isso, convém revisitar um pouco da nossa história recente. O que aqui apresento foi retirado de dois livros meus, de 2007, A História da PIDE Vítimas de Salazar (co-autoria).

 

A tortura da PVDE/PIDE/DGS

Álvaro Cunhal contou que, da primeira vez em que foi preso, nos anos trinta do século XX, o colocaram, algemado, no meio de uma roda de agentes, onde foi espancado a murro, pontapé, cavalo-marinho e com umas grossas tábuas. Depois, deixaram-no cair, imobilizaram-no no solo, descalçaram-lhe os sapatos e meias e deram-lhe violentas pancadas nas plantas dos pés. Quando o levantaram, obrigaram-no a marchar sobre os pés feridos e inchados, ao mesmo tempo que voltaram a espancá-lo. Isto repetiu-se por numerosas vezes, durante largo tempo, até que perdeu os sentidos, ficando cinco dias sem praticamente dar acordo de si (Arquivo da PIDE/DGS, pr. 15786 SR, Álvaro Cunhal).

 

 

«Punir a polícia política na transição portuguesa para a democracia»

No passado dia 25 de Novembro, participei, juntamente com António Costa Pinto, Filipa Raimundo e Maria Inácia Rezola, numa conferência, intitulada «Dealing with the Legacy of Authoritarism in Contemporary Democracies: Portugal & Southern Europe in Comparison», realizada no Kings´s College, de Londres, organizada por António Costa Pinto e Luísa Pinto Teixeira. Na ocasião afirmei ser um mito a ideia de que em Portugal os elementos da PIDE/DGS não teriam sido punidos no período pós-25 de Abril. Essa afirmação, bem como a de terem sido alvo de processo judicial em tribunal militar 2755 elementos da PIDE/DGS foram reproduzidas – de forma correcta – por um jornalista presente da Agência Lusa. Para contextualizar essas afirmações, publico aqui a versão portuguesa da minha intervenção, intitulada «Punir a polícia política na transição portuguesa para a democracia».

 

O golpe militar do MFA de 25 de Abril de 1974 inaugurou uma nova vaga dos processos de democratização da Europa do Sul, dando lugar a uma crise revolucionária de Estado, em que ocorreram, em simultâneo, a democratização e a descolonização. Foi uma transição para a democracia por ruptura, que provocou uma forte mobilização anti-ditatorial, determinante para a imediata dissolução das instituições conotadas com o regime deposto. Na primeira linha desse desmantelamento, esteve, por exigência dos elementos que se tinham oposto à ditadura, o aparelho repressivo - a Polícia Internacional e de Defesa do Estado/Direcção-Geral de Segurança (PIDE/DGS).

Um diploma do próprio dia 25 de Abril de 1974 determinou a extinção da DGS, embora se dissesse, no seu art.º 2.º, que, «no Ultramar, depois de saneada», seria reorganizada «em Polícia de Informação Militar, nas províncias em que as operações militares o exigirem» (Decreto-lei n.º 171/74). Logo após o golpe militar, em Junho de 1974, já tinham sido detidos em Portugal cerca de mil membros da polícia política, incluindo indivíduos considerados informadores. Em Angola, Moçambique e na Guiné-Bissau, isso só viria a acontecer meses depois, em virtude da dinâmica do próprio movimento decorrente do 25 de Abril, que forçou à imediata descolonização. Neste período, assistiu-se também, com a ajuda de oficiais militares, à fuga de diversos inspectores da PIDE/DGS, alguns com responsabilidades em casos de assassinato.

ler + )

Nos 45 anos do assassinato de Humberto Delgado e de Arajaryr Campos

 

 

Campanha Presidencial de 1958 © ESFC

 
Em 13 de Fevereiro de 1965, a PIDE assassinou o general Humberto Delgado e a sua secretária Arajaryr Campos. O crime ainda hoje está envolto em algum mistério, nomeadamente relativamente ao papel de Salazar e do director da PIDE na decisão da morte. Frederico Delgado Rosa, neto do general, deu à estampa o livro Humberto Delgado - Biografia do General sem Medo, que trouxe nova luz sobre a forma como decorreu realmente o assassinato. Muito há a dizer sobre esse assassinato, que “eliminou” um dos principais adversários do ditador Salazar e do seu regime. Na impossibilidade de dar aqui as várias versões sobre o assassinato bem como de reproduzir toda a complexidade do caso «Delgado», limitar-me-ei aqui a apresentar, no fim, alguma bibliografia incontornável sobre o tema. Deixo também alguns dados sobre a forma como ocorreu o crime, retirados do libelo acusatório do julgamento do caso Delgado, que apenas realizado três anos após 25 de Abril de 1974.
 
Segundo esse libelo, Fernando da Silva Pais, Agostinho Barbieri Cardoso e Álvaro Pereira de Carvalho, respectivamente director, subdirector e chefe dos serviços de Informação da PIDE «definiram, em data não averiguada - seguramente localizada no ano de 1962», o objectivo central de reduzir Humberto Delgado «à não actuação, quaisquer que fossem os meios necessários para tanto». A PIDE teria então aliciado, para trabalhar estreitamente com ela, o português Mário de Carvalho e o italiano Ernesto Bisogno, ambos a residir em Roma, que se haviam insinuado junto do general, para informarem aquela polícia dos seus movimentos.
 

Arquivo

Isabel Moreira

Ana Vidigal
Irene Pimentel
Miguel Vale de Almeida

Rogério da Costa Pereira

Rui Herbon


Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Comentários recentes

  • f.

    olá. pode usar o endereço fernandacanciodn@gmail.c...

  • Anónimo

    Cara Fernanda Câncio, boa tarde.Poderia ter a gent...

  • Fazem me rir

    So em Portugal para condenarem um artista por uma ...

  • Anónimo

    Gostava que parasses de ter opinião pública porque...

  • Anónimo

    Inadmissível a mensagem do vídeo. Retrocedeu na hi...

Arquivo

  1. 2019
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2018
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2017
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2016
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2015
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2014
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
  79. 2013
  80. J
  81. F
  82. M
  83. A
  84. M
  85. J
  86. J
  87. A
  88. S
  89. O
  90. N
  91. D
  92. 2012
  93. J
  94. F
  95. M
  96. A
  97. M
  98. J
  99. J
  100. A
  101. S
  102. O
  103. N
  104. D
  105. 2011
  106. J
  107. F
  108. M
  109. A
  110. M
  111. J
  112. J
  113. A
  114. S
  115. O
  116. N
  117. D
  118. 2010
  119. J
  120. F
  121. M
  122. A
  123. M
  124. J
  125. J
  126. A
  127. S
  128. O
  129. N
  130. D
  131. 2009
  132. J
  133. F
  134. M
  135. A
  136. M
  137. J
  138. J
  139. A
  140. S
  141. O
  142. N
  143. D
  144. 2008
  145. J
  146. F
  147. M
  148. A
  149. M
  150. J
  151. J
  152. A
  153. S
  154. O
  155. N
  156. D
  157. 2007
  158. J
  159. F
  160. M
  161. A
  162. M
  163. J
  164. J
  165. A
  166. S
  167. O
  168. N
  169. D

Links

blogs

media