No post «E não se esqueçam da toalha», um devoto de imaginação fértil resolveu defender os dois cientistas com os neurónios obliterados pela religião afirmando, supostamente de acordo com muitas leituras suas, que Lavoisier, para além de esotérico (?!) e alquimista (!?) da pesada, era «manifestamente devoto do Diabo e praticava magia negra».
Não me espanta que apologetas católicos acusem de seguidor do demo um dos cientistas responsáveis pela demoliçãodas fundações da fé católica - a doutrina da transubstanciação do pão e do vinho subjacente ao milagre eucarístico. De facto, Lavoisier provou sem sombra de dúvidas o atomismo tão condenado pela Igreja. Foi ainda um dos principais responsáveis pelo facto de o atomismo, no início do século XVII uma filosofia proscrita, uma explicação ateísta que ameaçava a visão escolástica do mundo e como tal devidamente condenada (com a pena de morte nos países mais católicos), ser em finais do século XVIII uma hipótese «conservadora» para os químicos. Assim, os químicos aderiram imediata e entusiasticamente à obra de Dalton publicada em 1808, «A New System of Chemical Philosophy», que cimentou o fim dos arqué de Empedócles e da supremacia da Igreja, esta sim alquimista, sobre a explicação dos fenómenos naturais.
Regressei da costa alentejana com uma irritante fotodermatite, causada muito provavelmente por contacto com uma das umbelíferas integrantes da vegetação luxuriante do local que escolhemos para férias e agravada por não ter percebido que a comichão que me invadia as canelas não tinha nada a ver com mordidelas das muitas melgas e mosquitos que me escolheram como alvo e ter insistido em ir à praia apagar a palidez de um ano passado em exclusivo indoors.
Enquanto me resigno a não poder voltar a ter as pernas ao léu este Verão, vou meditando na evolução da reacção social ao bronzeado, um must nas sociedades contemporâneas - excepto no Irão onde uns quantos alucinados ayatollas pretendem mandar para a prisão quem o exiba-, que curiosamente ou não, correlaciona com o reconhecimento de que a exposição ao Sol, contrariamente ao que me aconteceu, pode ser muito benéfica.
(Come chocolates, pequena; Come chocolates! Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates. Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria. Come, pequena suja, come! Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes! Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho, Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)
Tabacaria de Fernando Pessoa (ou antes, Álvaro Campos)
Numa ida ao baú, repesco este post, especialmente adequado na Páscoa desde 1662, data em que, com o beneplácito do papa Alexandre VII, pelos bons auspícios do cardeal Francis Maria Brancaccio* que devotou um tratado a mostrar que [chocolate] Liquidum non frangit jejunun, se confirmou que não havia problemas em beber chocolate durante os jejuns pascais.
Ciência e mitos fundem-se no néctar que, reza a lenda, dava alento e vigor a Montezuma, o último soberano asteca que o consumia em grandes quantidades antes das suas sortidas nocturnas a um bem fornecido harém. Para um asteca de posses, 9 sementes eram suficientes para lhe assegurar os serviços de uma dama da noite. Estes rumores auspiciosos alimentaram a mitologia amorosa do chocolatl, a bebida dos deuses até hoje, ou antes, a comida dos deuses, pelo menos no nome da planta que a fornece, Theobroma cacao como foi baptizada por Lineu.
Todos nós sabemos que quando chove a calçada portuguesa, normalmente formada por calcário branco e preto, não se dissolve na água da chuva. Mas sabemos igualmente que as chuvas ácidas resultantes da poluição atmosférica põem em risco muitos monumentos, nomeadamente em Lisboa em que a maioria destes foram construídos em lioz ou mármore.
No post sobre azeitonas que dediquei à nossa Alexandra, referi o esqualeno, o triterpeno de propriedades tão benéficas que quasi levou à extinção do tubarão, em cujos bons fígados se encontra em grande quantidade.
Qual foi o meu espanto quando, embora volta e meia com uma grafia errada, descobri que o esqualeno é o responsável por uma onda de alarmismo que varre não só o nosso cantinho mas outras paragens a propósito da vacina da gripe A. De facto, o esqualeno, assim como o α-tocoferol (a forma mais comum da vitamina E antes que o nome desencadeie outra onda de pânico), faz parte do adjuvante da vacina produzida pela GlaxoSmithKline.
Explorando a ignorância química da população em geral, uns vendedores de banhas da cobra "alternativas", um tal de "Dr." Mercola em particular, resolveram aproveitar a ocasião para promover as suas charlatanices e lançar boatos, que se espalharam rapidamente, sobre as supostas mazelas que o esqueleno provocaria, de artrite a lupus passando pela encefalomielite auto-imune experimental (EAE) não esquecendo a síndrome da Guerra do Golfo, que, de acordo com os charlatães, seria devida ao esqualeno da vacina contra o antrax (por acaso e apenas por acaso, não utilizado nesta vacina).
Durante as grandes epidemias de peste na Europa surgiu (mais) uma lenda segundo a qual o arcanjo Gabriel indicara a angélica, que começa a florescer na altura da festa em sua honra, como panaceia para a maleita. Monges e frades começaram a cultivá-la nos seus conventos, para com ela preparar remédios santos contra a epidemia, a maior parte dos quais na forma de licor alcoólico. Estas receitas medievais perpetuam-se nos licores Benedictine e Chartreuse, em que se utiliza a planta a que Paracelso durante a epidemia de peste em Milão de 1510 chamou «erva medicinal maravilhosa» (e, pelo menos no Benedictine, outra planta santa mas um pouco mais espinhosa).
Começo a dar-me conta: a mão que escreve os versos envelheceu. Deixou de amar as areias das dunas, as tardes de chuva miúda, o orvalho matinal dos cardos. Prefere agora as sílabas da sua aflição.
Eugénio de Andrade, Os trabalhos da mão (in Ofício de Paciência)
No post «Lendas urbanas: tamiflu e anis estrelado» referi brevemente o cardo mariano e o cardo coroado e a elevadissima toxicidade deste último, muito popular em algumas «medicinas» tradicionais.
No entanto, embora cantados por alguns poetas, os cardos são considerados erva daninha em Portugal. As plantas a que chamamos cardos pertencem, na sua maioria, à tribo Cardueae ou Cynareae cujas características distintivas são os espinhos e a ausência de flores liguladas, substituídas por flores tubulosas. Nem todos os cardos pertencem à mesma família, por exemplo o cardo marítimo recordado por Eugénio de Andrade é uma umbelífera.
O amaranto, uma planta considerada sagrada pelos antigos maias, astecas e incas, foi um dos vegetais mais importantes da América pré-colombiana, tão importante que o consumo da planta cujo nome significava «alegria» foi proibido durante o domínio espanhol por estar associado a práticas religiosas «pagãs».
A planta era conhecida pelos gregos que a designavam «amarantus», que significa «nunca murcha», e na Índia o reconhecimento das suas virtudes é evidenciado pelo seu nome em sânscrito: «amarnath» ou «rei da imortalidade». A realeza sueca recompensava os seus súbditos que se destacavam em exibições de força oferecendo-lhes coroas feitas desta planta. Os gregos, por sua vez, usavam a oliveira para as coroas de glória, nomeadamente, nos primórdios dos Jogos Olímpicos, os atletas vencedores eram homenageados com coroas de oliveira, planta suplantada pelo louro com o domínio romano mas retomada nos jogos de 2004 na Grécia.
Desde os primórdios da humanidade que o homem utiliza as plantas para fins terapêuticos. Muitos medicamentos utilizam princípios activos encontrados em plantas ou deles derivados, como o ácido acetilsalicílico - a aspirina que substituiu o tóxico ácido salícilico em que se transforma no organismo humano a salicilina da casca do salgueiro. Nos últimos tempos, os polifenóis, de que falei brevemente a propósito da «química da felicidade suprema» e do vinho, têm merecido a atenção do público em geral devido à descoberta das suas propriedades anti-oxidantes - são sequestradores (scavengers) de radicais livres, o que inibe inúmeras doenças mediadas por estas espécias.
Alguns destes polifenóis naturais têm mesmo acção terapêutica reconhecida como os flavonóides silibinina, isosilibinina ou silicristina e silidianina do cardo mariano, que agem como estabilizadores das membranas dos hepatócitos, protegendo a célula hepática da influência nociva de substâncias tóxicas endógenas e/ou exógenas. A silimarina, o extracto do cardo que contém os três isómeros, é comercializada como Legalon sendo utilizada como coadjuvante no tratamento de doenças hepáticas crónicas, de lesões hepatotóxicas e ainda para tratar intoxicações pelo cogumelo Amanita phalloides.