Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

jugular

Alguém tinha dúvidas de que o projecto de revisão constitucional do PSD ia correr mal?

Eu não. Recordemos os factos. Pedro Passos Coelho, no discurso de tomada de posse,em Abril, lançou a falsa ideia de que há uma questão constitucional. Ele, que se viu obrigado a secundar muitas das medidas do Governo, precisou de uma bandeira, e, então, entendeu por bem fingir que era premente uma revisão constitucional (RC); pior: que os problemas sérios que o país atravessa passavam por uma RC. E nas festividades eleitorais que se adivinham. O acordo para se proceder à RC só depois das presidenciais era para esquecer, tal a urgência da sua missão nacional.

Nessa altura, o líder do PSD, falava com segurança, porque já tinha o projecto no espírito, já sabia do seu desígnio, falava aos microfones nos poderes do PR, em moldes totalmente diferentes dos que efectivamente constavam do desastroso texto que devia sustentar o seu discurso equivocado. Dizia que aumentava os poderes do PR e, depois, lia-se o papelito e percebia-se que era tudo ao contrário, uma omeleta feita ao sistema de governo por quem não devia, com toda a certeza, ter estudado duas linhas sobre a experiência passada, sobre sistemas de governo em geral, sobre o que é, efectivamente a estabilidade governativa, sobre as consequências normais da tão falada moção de censura construtiva, sobre as lições do direito comparado, nada, um salto acrobático experimentalista sem rede, a que alguns chamam de "modelo de sociedade".

Depois disso, como a ideia de uma RC para Portugal era muito forte, nas suas traves mestras, claro, numa noite, assim, numa noite, enquanto o sol se põe e volta a nascer, aquela voz de Pedro Passos Coelho ao microfone, aquela voz certa do que queria para o nosso sistema político, aquele texto acima referenciado, sofre uma revolução e o PR, que tinha os poderes diminuídos, passou a ter os poderes aumentados. Por quê? Ninguém sabe. É melhor não comentar. Eles têm um "modelo para a sociedade".

Notas soltas sobre a Constituição I

Quando a CRP define, no artigo 80º, alínea b), como princípio a "coexistência do sector público, do sector privado e do sector cooperativo e social de propriedade dos meios de produção" temos de ter em conta que estamos no domínio de um dos princípios da constituição económica, livre, desde 1982, de um texto altamente comprometido, ideológico, fechado. Até então este preceito tinha por epígrafe Fundamento da organização económico-social e lia-se esta preciosidade: A organização económico-social da República Portuguesa assenta no desenvolvimento das relações de produção socialistas, mediante a apropriação colectiva dos principais meios de produção e solos, bem como dos recursos naturais e o exercício do poder democrático das classes trabalhadoras.

Depois da limpeza desta narrativa através das subsequentes revisões constitucionais, este preceito, onde se inscreve a citada alínea, representa o que é um Estado Social de Direito. Trata-se de um quadro normativo aberto, isto é, impõe, claro, limites ao legislador, às suas opções, mas este tem uma larga margem de concretização.

Por exemplo, a alínea que transcrevi aqui traduz um princípio de compatibilidade de iniciativas privada, pública e cooperativa, como explicam Jorge Miranda e Rui Medeiros, por exemplo. Isto significa concorrência entre iniciativas e abertura às iniciativas económicas, seja qual for o carácter do agente (público ou privado).

Quando se enuncia o princípio da compatibilidade quer-se significar que a CRP tanto permite modelos económicos que privilegiem a actividade económica privada como motor da economia, como modelos mais dados à iniciativa pública, mais controladores da economia.

Está em causa, portanto, possibilidade de acção. Tudo depende do governo que, legitimamente, está em funções com o seu programa. É tão legítimo um programa liberal assente na actividade económica privada, que secundarize a actividade pública, como um programa mais socialista que faça o inverso.

Assim, para combater o desemprego, dando um exemplo simples, tanto se pode criar empresas públicas como dar benefícios fiscais a empresas privadas que criem emprego. E não se diga que isto é desmentido pela garantia da coexistência do sector público, privado e cooperativo e social dos meios de produção prevista no artigo 82º da CRP. Esta garantia não obriga a que em cada área de actividade económica tenha de haver bens de produção pertencentes aos referidos sectores. Está apenas em causa a garantia da possibilidade de acesso dos agentes pertencentes a cada um dos sectores a todas as áreas que não estejam legalmente reservadas ao sector público. Tudo isto é assim muito bem explicado pelos Autores referidos  na sua Constituição Portuguesa Anotada.

O que fazer para defender o projecto de RC do PSD? Do insulto.

Isto é um insulto gratuito e inadmissível. Li, com surpresa, há dias, alguém que escrevia, perante a avalanche de críticas ao projecto de RC do PSD (ao primeiro, àquele que mudou de preto para branco numa noite), produzidas por vários entendidos na matéria, que os ditos, ainda que capazes, talvez fossem alinhados com o poder. Sempre este argumento fatal. Esperava o desconfiado por gente isenta, e esperava, dizia, por Jorge Miranda.

Nem respondi. Uma pessoa habitua-se a esta coisa de escrever textos baseados em anos de estudo de uma matéria e de, se os mesmos desagradam ao partido da oposição, ser acusada de alinhada. Perante o projecto do PSD, padeço, portanto, desse vício; eu, o Professor Gomes Canotilho, o Professor Jorge Reis Novais, o Professor José de Melo Alexandrino, o Professor Vital Moreira, e outros, todos os que ouvi e li, tudo gente interessadissima em deitar fora a sua integridade científca a bem do poder, esse bolo de chocolate. Bando de patifes.

Aventureirismo constitucional ou ataque esquizofrénico?

Gostei muito deste artigo de Vital Moreira e gostei muito do seu título, a propósito das propostas do PSD para RC. Acontece que como escrevi aqui, realmente, nada como esperar por um projecto escrito, porque ouve-se nas tribunas "moção de censura construtiva", "demissão livre do Governo", "aumento dos poderes presidenciais" e coisas destas e, naturalmente, comenta-se, mas eis que se tem acesso ao papel em discussão. Deixando de lado o assassinato de vários preceitos, desde logo em matéria de princípios fundamentais, ignorando décadas de jurisprudência constitucional, se nos concentrarmos apenas no sistema político, somos levados a pensar que alguém, por ali, produziu uma coisa esquizofrénica, não se percebe bem a razão. Talvez tenham dado assim uma quantidade de preceitos a cada um, tipo ficas tu com estes e tu com aqueles, mas espero, sinceramente espero, que quem trabalhou nesta peça venha a público dizer de sua justiça, porque toda a gente tem direito a uma defesa.

Com que então moção de censura construtiva, era? Que eu saiba, este instrumento jurídico-constitucional serve para dar estabilidade aos Executivos, para que estes não estejam à mercê da discricionariedade irresponsável das oposições, que, assim, só podem provocar a demissão do Governo se apresentarem um Executivo alternativo. É fácil de perceber.

Que faz o projecto do PSD? Isto: no artigo 194º, mantém a moção de censura antiga - que se passa a chamar de "simples", a qual, a ser aprovada, passa a provocar a dissolução da AR, excepto, imagine-se, se ocorrer em estado de sítio ou de emergência, uma simpatia. A esta moção de censura de efeitos calamitosos junta-se, pois, a moção de censura construtiva, com a tal indigitação do PM alternativo. Mas pensam que o PR pode dizer uma palavra sobre isto? Nada (novo artigo 187º).

Depois, quando nos recordamos de PPC ao microfone explicando do absurdo do PR poder dissolver livremente a AR e não poder demitir livremente o Governo, ignorando por completo a história e a lógica do nosso sistema, não me vou repetir, em todo o caso uma pessoa depara-se com a tal demissão livre do Governo, sim senhor, mas eis que afinal já não pode dissolver a AR como o fazia até agora. Não. Afinal, quanto a AR, passa a poder dissovê-la apenas "quando tal se torne necessário para assegurar o regular funcionamento das instituições democráticas, ouvido o Conselho de Estado" (artigo 172/1).

Espera, lá...Então esta não é a fórmula do actual artigo 195º/2 para a demissão do Governo? É. E PPC não tinha dito que acabava com esta fórmula quanto ao Governo para a demissão do Governo ficar assim mais ou menos como a dissolução da AR que é actualmente livre? Tinha. Então qual é a ideia de passar a condicionar o PR quanto à dissolução da AR exactamente com o condicionamento que ele tem, actualmente, relativamente ao Governo? Não faço ideia.

Sei que isto seria a ruína do nosso sistema político. Uma AR que não pode ser dissolvida discricionariamente pelo PR, um Governo que passa, esse sim, a depender da vontade do PR, assim, sem mais, gerando-se uma confusão entre o Executivo e o PR que estava arrumada desde 1982. Mas, ao mesmo tempo, pasme-se, naquilo que o PR deve ter uma palavra, que é a indigitação de um PM, zero, quando este resulta da aprovação de uma moção de censura construtiva.

Para acabar em beleza, esta última moção não vem substituir a outra, não. A oposição passa a ter um menu. Se quer arriscar diz: é a construtiva, se faz favor e está aqui o PM alternativo; se não está para se chatear, diz antes: é a simples, mas se for aprovada, não se esqueçam que não está em causa só a demissão do Governo, dissolve-se logo a AR, acabou-se. E o PR? Alguma palavrinha no meio disto tudo? Nada.

Confusos?

Espero que sim.

É a loucura total.

O PSD que apanhe as peças. Isto assim não dá.

 

Adenda: parece que mudaram alguma coisa e a novela continua. Cenas dos próximos capítulos, todos os dias.

Pedro Passos Coelho e a sua bandeira: a revisão constitucional

Desde o dia em que fez o seu primeiro discurso como líder do PSD, que Pedro Passos Coelho (PPC) teve uma ideia: explicar ao país da urgência de uma revisão constitucional (RC). 

À falta de um discurso sólido alternativo ao do Governo, perante, imagino - não encontro outra resposta - a sua depois verificada adesão a várias medidas do Executivo, havia que acenar com uma bandeira política muito dele, muito própria, e de preferência eloquente. Desgraçadamente, por isso, quebrou-se o acordo implícito de se proceder a uma RC apenas após as eleições presidenciais.

Na verdade, do ponto de vista constitucional, neste momento, basta ser apresentado um projecto de RC, para que o processo se abra e para que todos os outros tenham de ser apresentados no prazo de 30 dias.

Não há, pois, nada a fazer quanto à asneira e irresponsabilidade de quem não entende das consequências sem tamanho que podem advir de uma RC ser realizada em clima de eleições eleitorais.

Do disparate que vimos lendo e ouvindo desde o início de Abril pela boca de tantos, no sentido de que existe uma questão constitucional, de que a RC é urgente, de que é preciso mudar um sem número de coisas para resolver problemas do país, já não nos livramos, assim como já não nos livramos, pelo que referi acerca do procedimento da RC, de uma discussão crispada, quando esta deve ser serena, num sistema que, por alguma razão, obriga, para cada alteração, à aprovação por 2/3 dos Deputados. Está-se a ver que isto aconselha calma, reflexão profunda, diálogo e um pouco, se possível, de pensamento estruturado acima do discurso do combate político diário.

Nada a fazer, como escrevi. Desde Abril que venho lendo e ouvindo pela boca de PPC e dos seus ecos soluços sobre o que será a sua proposta de RC. Já se falou em aproximar os Deputados dos eleitores, sem grande explicação, esquecendo, talvez, que a CRP já permite a criação de círculos uninominais com os limites previstos no artigo 149º, já se falou na nomeação do PGR, do PJ, das entidades reguladoras, tudo assim mais ou menos por causa de episódios da vida recente e não por causa de um pensamento estruturado. 

Ontem vimos o país parar um pouco por causa da chamada moção de censura construtiva e da alteração dos poderes do PR, um órgão que deveria voltar a poder demitir o Governo livremente, pois se o pode fazer relativamente à AR, por que não?.

Esta caldeirada vai parecendo um tremor de terra seguido de réplicas, de difícil que é de acompanhar. Independentemente de se poder discutir, em abstracto, da razoabilidade ou não de algumas propostas, de podermos repensar a nomeação de alguns órgãos, por exemplo, a amplitude de questões que vêm saltando para o debate desde de Abril mostra da insanidade de quem se pensa dotado de uma certeza quanto a alterações que vão desde a justiça e as autoridades reguladoras à pancadaria ao sistema político-constitucional, assim, de um dia para o outro, explicando numa tribuna que se pensa para "quinze anos", ao contrário de gente petrificada, imaginando, portanto, que tudo isto é muito simples, basta dizer-se da sua modernidade, esquecer a campanha presidencial, o clima de guerra política, para ao invés fazer da RC a sua guerra política, num desrespeito daquilo que era uma das poucas serenidades do país, precisamente o não existir uma "questão constitucional". Não, não é a RC que vai resolver os problemas que nos assolam.

Depois do que já escrevi aqui e aqui, por exemplo, vejo agora assim, ao acaso, a proposta de o PR poder demitir livremente o Governo, como uma falta de paciência para ir ler qualquer coisa de jeito. Alguém explique a estas pessoas o que aconteceu em 1982, o que aconteceu quando foi extinto o Conselho da Revolução, o que aconteceu quando o PR passou a demitir o Governo apenas quando estiver em causa o regular funcionamento das instituições democráticas. Alguém explique a PPC que dissolver a AR não equivale a demitir o Governo, porque isso seria fazer do Governo um órgão na dependência absoluta do PR, quem governa, na verdade, como que chefiado por este.

Nada a fazer, já escrevi. Por isso, calma, calma, calma. Vamos ver se o PS não reage com um mau projecto de RC, por exemplo animado com o que sucedeu com o estatuto dos Açores, mexendo à pressa nas autonomias regionais, é bom nem pensar numa coisa dessas.

O que não tem remédio remediado está, pelo que seria bom que os políticos parassem de fazer discursos de guerrilha sobre a lei fundamental do estado e trabalhassem na RC inevitável, para que seja o menos péssima possível. Penso que seria de aproveitar a moção de censura construtiva, já o escrevi muitas vezes, é um mecanismo bom para todos, dá estabilidade a sistemas como o nosso, que dificulta maiorias absolutas e responsabiliza as oposições. Quem quer deitar abaixo um Governo tem de estar preparado para apresentar um executivo alternativo, é isto, explicando de forma simples.

Tudo o resto que li ontem no Público, como propostas de PPC, insisto, é muito mau. Cheguei a colocar a hipótese de lapso.

Adiante.  

Arquivo

Isabel Moreira

Ana Vidigal
Irene Pimentel
Miguel Vale de Almeida

Rogério da Costa Pereira

Rui Herbon


Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Comentários recentes

  • Anónimo

    The times they are a-changin’. Como sempre …

  • Anónimo

    De facto vivemos tempos curiosos, onde supostament...

  • Anónimo

    De acordo, muito bem escrito.

  • Manuel Dias

    Temos de perguntar porque as autocracias estão ...

  • Anónimo

    aaaaaaaaaaaaAcho que para o bem ou para o mal o po...

Arquivo

  1. 2025
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2024
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2023
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2022
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2021
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2020
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
  79. 2019
  80. J
  81. F
  82. M
  83. A
  84. M
  85. J
  86. J
  87. A
  88. S
  89. O
  90. N
  91. D
  92. 2018
  93. J
  94. F
  95. M
  96. A
  97. M
  98. J
  99. J
  100. A
  101. S
  102. O
  103. N
  104. D
  105. 2017
  106. J
  107. F
  108. M
  109. A
  110. M
  111. J
  112. J
  113. A
  114. S
  115. O
  116. N
  117. D
  118. 2016
  119. J
  120. F
  121. M
  122. A
  123. M
  124. J
  125. J
  126. A
  127. S
  128. O
  129. N
  130. D
  131. 2015
  132. J
  133. F
  134. M
  135. A
  136. M
  137. J
  138. J
  139. A
  140. S
  141. O
  142. N
  143. D
  144. 2014
  145. J
  146. F
  147. M
  148. A
  149. M
  150. J
  151. J
  152. A
  153. S
  154. O
  155. N
  156. D
  157. 2013
  158. J
  159. F
  160. M
  161. A
  162. M
  163. J
  164. J
  165. A
  166. S
  167. O
  168. N
  169. D
  170. 2012
  171. J
  172. F
  173. M
  174. A
  175. M
  176. J
  177. J
  178. A
  179. S
  180. O
  181. N
  182. D
  183. 2011
  184. J
  185. F
  186. M
  187. A
  188. M
  189. J
  190. J
  191. A
  192. S
  193. O
  194. N
  195. D
  196. 2010
  197. J
  198. F
  199. M
  200. A
  201. M
  202. J
  203. J
  204. A
  205. S
  206. O
  207. N
  208. D
  209. 2009
  210. J
  211. F
  212. M
  213. A
  214. M
  215. J
  216. J
  217. A
  218. S
  219. O
  220. N
  221. D
  222. 2008
  223. J
  224. F
  225. M
  226. A
  227. M
  228. J
  229. J
  230. A
  231. S
  232. O
  233. N
  234. D
  235. 2007
  236. J
  237. F
  238. M
  239. A
  240. M
  241. J
  242. J
  243. A
  244. S
  245. O
  246. N
  247. D

Links

blogs

media