jugular

Todos os anos a mesma coisa. A lamúria, essa, começava logo depois do Ano Novo. Era a chatice do avião, a chatice do frio, a chatice da cidade, o idiota do Bush. Eu, todos os anos fazia também a mesmíssima coisa. Deixava-te falar sozinha e organizava os dias meticulosamente. E lá partíamos, tu muda, eu calada. NYC é uma cidade dura em finais de Fevereiro. As ruas têm uma papa achocolatada, mistura de neve com lama, as esquinas um vento que nos petrifica, há fumos que saem das tampas dos esgotos, gente enregelada, triste e apressada. Aos poucos lá nos íamos adaptando. À cidade e também uma à outra. Ao fim de dois dias, depois de regulados os sonos, vivíamos então três semanas num quarto de hotel como se fosse a nossa casa. Bagels, cream cheese biscuits, crème fraiche, Finca Mauritania coffee. Nunca almoçavamos juntas, salvo aos fins-de-semana em que te conseguia arrastar para TriBeCa ou SoHo a muito custo, verdade seja dita. Hoje, penso nesse tempo como único. Sem nada que nos lembrasse da nossa verdadeira situação de casal com duas casas, fizemos ao longo dos anos, daqueles quartos um lar. Misturados em cima da mesa acumulavam-se os catálogos, os livros, os discursos das comissões, as caixas de comprimidos de alcachofra que insistias em comprar, mais os gadgets que em Lisboa abandonavas logo a um canto, os bilhetes de metro e o passe dos museus, as escovas de dentes. Lavávamos a roupa nas lavandarias publicas (que saudades das conversasde olhos postos na cuba) e jantávamos fora quase todas as noites, em restaurantes exóticos que te faziam esquecer o Bush e me davam cabo do estômago. Fomos felizes em NYC, muito felizes mesmo. Tenho ao pé de mim o crachá que te ofereci no dia treze de Março de 2002. Diz  “60 better then ever”. Fazias sessenta anos e obriguei-te a prometer que estaríamos naquele mesmo lugar em 2012. A vida (a sacana da vida) trocou-nos as voltas. Hoje dia treze de Março de 2010, estou em Lisboa sentada ao computador a escrever-te este texto. Nunca mais voltei a NYC depois de tu morreres. Se fosses viva farias hoje 68 anos. Parabéns Mad.