Como se viu, o regime salazarista pretendeu o retorno da mulher ao lar. Em 1933, o Estatuto do Trabalho Nacional estipulou que o trabalho feminino «fora do domicílio» seria regulado por «disposições especiais conforme as exigências da moral, da defesa física, da maternidade, da vida doméstica, da educação e do bem social».
No ano seguinte um diploma decretou que, enquanto houvesse homens desempregados, não seria permitida «em muitas indústrias, o recurso abusivo à mão-de-obra mais barata fornecida pelas mulheres e pelos menores».
Em muitas empresas, as mulheres foram substituídas por homens e remetidas para tarefas não diferenciadas e mal pagas. Não só as mulheres ocupavam postos laborais na situação de «auxiliares» e «aprendizes», o que fazia delas realmente a mão-de-obra mais barata, como auferiam salários «mínimos» menores que os dos homens para o mesmo trabalho.
No entanto, o propósito do regresso das mulheres ao lar não se tornou uma realidade. Em 1950, 22,7% da população activa total era do sexo feminino. Na indústria, onde a presença feminina foi sempre maioritária nos têxteis, no tabaco e no vestuário, bem como nos sectores de trabalho intensivo, precário e não especializado, a percentagem da população feminina aumentou de forma imparável dos anos cinquenta.
Maria Lamas descreveu então a situação do trabalho feminino:
«No povo não há, praticamente, mulheres domésticas. Todas trabalham, mais ou menos fora do lar. Quando não são operárias, são trabalhadoras rurais, vendedeiras, criadas de servir ou “mulheres-a-dias”. (….) Seria quase impossível mencionar todas as suas ocupações que vão do roçar mato aos mais delicados bordados, sem contar com as grandes industrias em que ela ocupa lugar predominante».
A propósito da luta pela igualdade e nos 35 anos da primeira manifestação pública feminista em Portugal – Parque Eduardo VII, 13/1/1975
No século XX, atravessado por quatro regimes políticos diferentes – o final da monarquia, a I República, o Estado Novo e a democracia -, a situação das mulheres em Portugal mudou radicalmente.
No princípio do século XX, a situação da mulher no seio da família era regulada pelo Código Civil napoleónico de 1867 – Código de «Seabra» -, que obrigava a mulher casada aresidir no domicílio do marido;a prestar-lhe obediência e não a autorizava, sem o consentimento dele, a administrar, adquirir, alienar bens, publicar escritos e apresentar-se em juízo.
Em vigor até 1967, esse Código tinha várias outras cláusulas que se diferenciavam consoante se referissem ao homem ou à mulher:por exemplo, o homem podia solicitar o divórcio sempre que a mulher praticasse adultério, enquanto que esta só o podia fazer se o adultério tivesse sido praticado «com escândalo público».
O regime republicano atenuou desde logo algumas dessas normas que subjugavam as mulheres casadas aos maridos e aboliu certas diferenciações jurídicas consoante o sexo.As leis do Divórcio e da Família de 1910 estabeleceram a igualdade entre os cônjuges quanto às causas da separação e na sociedade conjugal. Entre outras coisas, a lei do Divórcio eliminou um artigo do Código Penal de 1886, segundo o qual a esposa adúltera era punida com prisão maior celular de dois a oito anos, enquanto o homem casado adúltero era condenado a uma simples multa que podia ir de três meses a três anos do seu rendimento.
O que nunca foi conseguido durante a I República foi o sufrágio feminino. Lembre-se que o regime republicano concedeu, em 1911, o direito de voto aos portugueses com mais de vinte e um anos que soubessem ler e escrever e aos chefes de família, sem especificar o sexo dos eleitores. Esse argumento foi utilizado por Carolina Beatriz Ângelo, que era viúva e chefe de família, para votar, mas, a partir de 1913, o regime republicano especificou que só os «chefes de família do sexo masculino» podiam eleger e ser eleitos.