Ave Caesar morituri te salutant...
Tenho andado, de dia para dia, para escrever algo sobre a questão daS faceS ocultaS dos últimos dias, mas a falta de tempo - e acima de tudo a falta de paciência - não mo têm permitido. E não seria ainda hoje; sucede que reparei que a João, a propósito de outro assunto, resume tudo numa frase dirigida aos nossos esforçados media: "Ao menos esperem pela autópsia antes de potenciarem suspeitas que, até ver, são perfeitamente infundadas e constituem, de facto, um atentado à saúde pública". A frase vinha a propósito da gripe A e da actuação dos media, mas serve como uma luva - é aliás a frase perfeita - para caracterizar a forma como os media têm tratado o caso Face Oculta.
Quanto ao Segredo de Justiça, continua como dantes. Tudo como sempre, aliás:
" (...) foi uma torrente contínua de violação ao segredo de Justiça: antes de Leonor Beleza ter sido notificada da acusação, esta foi publicada integralmente em todos os jornais; a LUSA difundiu-a pelos meios de comunicação social, as rádios e as televisões divulgaram-na perante os portugueses. (...) Na tarde em que Leonor Beleza foi pronunciada, à porta do Tribunal, (...) foi chamada de "assassina", foi impedida de dizer uma palavra em sua defesa e só não foi agredida porque advogados e jornalistas a protegeram a todo o custo (...) " - Proença de Carvalho, artigo publicado no "Público", 4 de Novembro de 1996;
"É público e notório que o segredo de Justiça tem sido abertamente violado (...) Não uma mas muitas vezes" - António Ribeiro Ferreira, DN, 4 de Novembro de 1996.
Há remédio? Não, não há. Actualmente, é permitido aos media, cantando e rindo e gozando, fazer o inaudito: violar o segredo de justiça e fazer disso notícia - uma espécie de dois em um: é notícia a notícia e é notícia o facto de a notícia ser notícia.
E assim, temos a justiça transformada numa espécie de abertura snuff (na acepção fílmica) de telejornais. É claro que a justiça (não merece maiúscula) é a principal responsável - as fotocopiadoras não têm perninhas nem vontade própria. Neste caso, então, é gritante a forma como o actual estado de coisas é pacifico. Arrasadoramente pacífico. Neste caso, houvesse vontade, as fontes seriam facilmente descobertas, que o processo - pelo menos a parte daquelas escutas - ainda não chegou às partes e às suas largas costas.
Mas não, mais vale assumir - logo à cabeça - a impossibilidade da coisa. Aliás, este país está cheio de finais impossíveis, tanto que até o facto de ser um país parece uma impossibilidade, um claro erro de casting. A relação entre a justiça e os media, se podia resultar em algo saudável - particularmente para a primeira, caso resolvesse adaptar a linguagem -, surge como uma relação de cumplicidade criminosa.
Tudo como que num circo de feras, gladiadores, césares. Tudo a fervilhar, como que numa sopa esquecida ao sol. Até ao dia em que aquilo que só acontece aos outros nos aconteça a nós. Parece restar-nos - parece ser mesmo essencial - que nos aconteça a nós sermos os violados pelo segredo de justiça (sim, que a expressão, ironicamente, ganhou esta carga). Talvez nesse dia desça uma luz.