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Usos do «contextualismo» histórico

Isabel, de novo, cá está um post teu, que eu adoraria ter escrito.Também li o artigo do Público, que a ser fidedigno, me deixou perplexa. Sobretudo aquela do «bode expiatório» e porque me pareceu que Oliver Stone estaria a utilizar o «contexto» para relativizar a acção, no particular de Hitler e Staline.

Sou historiadora e por isso muito sensível ao contexto, para poder compreender e interpretar o passado.

Por exemplo, como tu própria recordaste, a especificidade do anti-semitismo nazi e do Holocausto só pode ser compreendida e interpretada ao ter-se a noção do contexto. Ao ter-se a noção das várias fases que levaram ao Holocausto, desde a discriminação dos judeus, à sua retirada do mercado de trabalho, à expulsão da Alemanha e dos territórios ocupados, até ao extermínio.

Analisar esse contexto possibilita a compreensão do que se passou e é tarefa do historiador estudá-lo e apresentá-lo

De facto, como disse Hannah Arendt, os nazis conseguiram fazer com que os judeus fossem considerados como "estando a mais" neste mundo. Na realidade, os nazis fizeram dos judeus, não sub-homens e sub-mulheres, mas não-homens e não-mulheres. Seres, identificados como vírus, que estariam a minar o "saudável" organismo "alemão" e que deveriam ser expurgados. E conseguiram o seu objectivo, com a cumplicidade e a neutralidade cúmplice de muitos e muitos.

Enquanto historiadores, cidadãos, cidadãos-historiadores e historiadores-cidadãos, dizer o que se passou é uma atitude profissional e deontológica, que neste caso não é neutral, e acaba por ser uma atitude moral. Parece contraditório este facto, dada a necessidade que o historiador tem de tender para a objectividade, sabendo que ela é impossível de ser atingida. Mas objectividade não é a mesma coisa que neutralidade.

E, ao tentarmos compreender as acções humanas e transmitir as do passado a outros seres humanos, fazêmo-lo baseados no mesmo back ground humano, que é moral, que nos permite estar a falar com outros e fazermo-nos entender por eles.

Oliver Stone – repito, a serem fidedignas as declarações que o Público lhe atribui – tem razão, quando dá importância ao contexto e quando - e se - está a dizer que os crimes de Hitler e Staline não são só destes dois criminosos mas também de muitos outros criminosos.

Oliver Stone não tem razão se está a dizer que tudo se equivale e tudo se compreende e, por isso (digo eu, que ele está a dizer), tudo se perdoa. Não tem razão se a sua atitude é de relativismo moral (a meu ver criminoso). É certo que não se sabe em que contexto - lá está o «contexto» - Stone está a dizer que Hitler é um «bode expiatório», mas a utilização da palavra parece-me desde já provocatória.

Se se confirmar esse relativismo, pode-se dizer que, se havia a mentira propalada pelo revisionismo e pelo negacionismo histórico, agora há a mentira do «contextualismo».

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