Texto lido por mim, ontem, dia 30 de Abril, na apresentação do livro História da Oposição à Ditadura (1926-1974), na FNAC Colombo, em Lisboa
Neste último fim-de-semana, após as comemorações do 25 de Abril, num programa de televisão, o Dr. Ângelo Correia condenou críticas de Isabel do Carmo, que não ouvi, à competitividade, concorrência e competição, afirmando que eram estas que faziam mover o mundo. Não comparo uma saudável competição desportiva ou lúdica com o que defendem muitos dos elementos e defensores do governo actual em Portugal e as forças financeiras e políticas que hegemonizam este mundo global, com a argumentação, impropriamente chamada de neo-liberal, pois se trata de uma prática do mais intenso estatismo, como temos vindo a assistir.
Penso estar a haver uma substituição dos valores éticos e morais de solidariedade e cooperação que apesar de tudo existiram nos últimos anos, pela noção de «quem tem unhas toca viola». Trata-se de um mundo onde se simplificou o darwinismo social, baseado na competição e concorrência em que uns triunfam e outros não, baseado no fim da mobilidade social. Nesse sentido reconheço-me no que escreveu Rui Tavares, publicado no Publico, em 26 de Fevereiro deste ano, e por isso o cito, até porque o diz melhor do que eu o poderia fazer
«Vivemos num mundo inflamado em competição. Competição entre indivíduos, entre famílias, entre empresas, entre nações, entre blocos regionais. Justificou-se essa competição com o argumento de que ao competir todos ficaríamos melhores. Esquecemos que para ser melhores precisamos uns dos outros. Sem cooperação, sem entreajuda, a competição é apenas um sistema em que para uns poderem ganhar todos os outros têm de perder. (…) Uma coisa para mim é certa; para sairmos do buraco em que estamos temos de abandonar os extremos da competição e redescobrir uma cultura da cooperação.»
E agora já devem estar a pensar por que comecei eu assim. O que tem isto a ver com o lançamento de um livro sobre a oposição à ditadura em Portugal. Tem a ver a vários níveis, além do facto de eu ter utilizado este “palco” para reafirmar o que penso que deve ser reafirmado por todo o lado,. Outros dos níveis estão relacionados com o que se poderia qualificar simultaneamente de forma e substância deste livro.
Substância, porque do que o livro trata é também de várias impossibilidades das oposições à Ditadura, uma das quais a de se unir em torno da definição do inimigo comum e do combate ao mesmo. Forma, porque, embora da minha autoria, este livro deve a muitos, pois conta com uma extensíssima bibliografia historiográfica sobre História recente de Portugal Contemporâneo, que se foi desenvolvendo a partir dos anos 80.
Este livro é credor da grande diversidade de estudos sobre História contemporânea de inúmeros colegas meus, investigadores do IHC, mas também de outros centros de Investigação em História por todo o país, tornados possível até hoje porque houve um investimento, aparentemente em vias de abandono, na investigação, e não só no campo das chamadas ciências exactas ou duras, mas também nas chamadas sociais e humanas.
Quando há alguns anos, o José Queirós, na época editor da Editora Figueirinha, me perguntou quem é que eu conhecia que pudesse e quisesse encetar uma história de síntese sobre a oposição à ditadura portuguesa, militar, bem como depois, de Salazar e Caetano, e tive a ousadia de me propor a mim mesma, reconheço que me levou a dizer que sim o facto de pensar já ter grande parte da investigação feita.
Efectivamente, tinha acedido a muitas fontes, através do arquivo da PIDE/DGS, quando estudara esta instituição, que foi quem lidou com as diversas oposições, nomeadamente a partir da subida ao poder de Salazar, até 1974. É certo que as fontes policiais têm de ser manuseadas com cuidado e prudência, pois são frequentemente subjectiva e objectivamente enganadoras, mas não deixam de contribuir com muita informação.
Faltavam, porém, as fontes da e sobre a própria oposição, na sua diversidade de opções políticas e ideológicas e aceder aos estudos de caso e parcelares de muitos dos meus e das minhas colegas de profissão e outros investigadores. Tal como se pode ver na bibliografia final, há hoje já muitas obras sobre o chamado reviralhismo, a história do PCP, dos socialistas, das oposições liberais e conservadoras, acerca dos monárquicos, dos católicos, bem como das organizações de esquerda radical e de luta armada, sem esquecer a acção dos movimentos de libertações das colónias africanas.
Não se trata tanto de uma história a partir de baixo, embora sejam revisitadas lutas camponesas e de assalariados agrícolas, de operários e trabalhadores. Nesse sentido, é mais uma história das elites da oposição, como se vê aliás pelo início do livro, ao tentar vislumbrar quem eram as forças, mais tarde na oposição e na situação, a partir dos anos vinte e depois na Ditadura. A tal "nova geração", que “deu” católicos, integralistas, "seareiros", republicanos, socialistas, anarco-sindicalistas, libertários e comunistas, num período marcado pela "noite sangrenta", a crise da República e a constituição de dois blocos para um golpe de Estado militar que eclodiria em 28 de Maio de 1926.
Os anos vinte e trinta do século XX, em Portugal, os do final da I República e do início da Ditadura Militar, foram marcados pela actuação de duas ou três gerações de intelectuais que intervieram cultural, social e politicamente, quer ao lado, quer na oposição ao regime então em vigor. Entre esses homens e, infelizmente poucas mulheres, nascidos nos últimos decénios do século XIX, alguns eram católicos, outros ateus.
Politicamente, uns eram conservadores, integralistas e/ou monárquicos, enquanto outros eram republicanos, maçons, «esquerdistas», «seareiros», anarquistas, socialistas, comunistas. Todos eles actuaram num período em que a I República foi derrubada por um golpe militar, e depois a Ditadura Militar, auto-intitulada «Nacional» em 1931, se foi gradualmente transformando no Estado Novo civil, mas também ditatorial, de António de Oliveira Salazar.
Dado que a ditadura em Portugal atacou alguns espaços privados e censurou, por exemplo na imprensa, tudo o que cheirava a conflito ou opções culturais diversas, são aqui também abordadas formas de dissidência e resistência cultural, não abertamente política, como foi, por exemplo, o caso das actividades levadas a cabo em cineclubes, ou colectividades de cultura e recreio, associações várias e cooperativas. Por outro lado, este livro tem muito a ver com a recente conferência realizada, dias 22 e 23 de Abril, na Fundação Gulbenkian, subordinada à questão de «porque durou e terminou a ditadura em Portugal». Ou a conferência, na perspectiva em que nela me integrei, tem a ver com o livro.
Num estudo anterior (A História da PIDE, 2007), considerei então que a PIDE/DGS teria tido um papel significativo em ajudar o regime de Salazar e Caetano a manter-se, assim como outros dos seus grandes pilares – a Igreja e sobretudo as Forças Armadas – teriam contribuído para essa permanência no poder ao longo de mais de quatro décadas. Estas Forças Armadas, ou uma grande parte delas, nomeadamente o Exército, derrubaram a I República e ergueram então um novo regime de carácter militar, a partir de 1926, depois sucessivamente reforçado, entre 1928 e 1931. As Forças Armadas possibilitaram depois, embora por vezes com alguma resistência no seu seio, o surgimento do Estado Novo de António Oliveira Salazar, que, em 1932, substituiu a Ditadura Nacional.
A partir de 1937, Salazar já tinha domesticado a instituição militar, que contribuiria depois para a continuidade do regime ditatorial. Esse facto foi particularmente evidenciado, em 1958, durante o «terramoto delgadista», quando prontamente as Forças Armadas se colocaram ao lado do regime. Em 1961, annus horribilis para Salazar, uma tentativa de golpe militar palaciano, protagonizado, entre outros, pelo ministro da Defesa Nacional, falhou de novo, num período em que se iniciava em Angola a guerra colonial. Alastrando depois à Guiné-Bissau e a Moçambique, as guerras coloniais deram nos primeiros anos um novo fôlego ao regime, que conseguiu colocar do seu lado as Forças Armadas, parte das quais se viraria contra ele a prazo.
Depois das Forças Armadas, era a PIDE/DGS que constituía o último factordos meios de intimidação, desmobilização e repressão da dissidência, contestação e insurreição. Era ela que espalhava o medo no seio da maioria da população, que recordava permanentemente a ameaça do que podia acontecer aos que entravam em dissidência. A polícia política difundiu também, com alguma eficácia, a ideia de que era omnipotente e omnipresente, que via e ouvia tudo, através de uma enorme rede de informadores e de uma cultura de denúncia. Era também ela que reprimia e neutralizava selectivamente a minoria que lutava contra o Estado Novo.
Mas, se houve, certamente, espaços de dissidência e resistência em Portugal, a verdade é que a população, no seu conjunto, permaneceu apática e passiva, a «viver naturalmente» e com «cada um no seu lugar» e na sua função, como pretendia Salazar. Deve pois reconhecer-se que o regime ditatorial também perdurou por ter conseguido obter e organizar em seu torno um clima, pelo menos, de aceitação passiva. Teve sucesso na sedução e aliciamento de uma parte significativa dos portugueses, que acabava por aceitar viver de forma “remediada”, desde que o Estado Novo lhe atenuasse algumas das suas maiores dificuldades.
Este regime de carácter elitista conjugou a força e a autoridade com uma vertente paternalista, onde cabia algum desprezo relativamente ao que considerava ser a incapacidade dos portugueses em viverem por conta própria. Para cumprir esses objectivos, a ditadura portuguesa, sobretudo na sua fase salazarista, contou não só com os seus aparelhos de desmobilização cívica e inculcação ideológica, mas também com poderosos instrumentos como foram o aparelho corporativo e as organizações de enquadramento de estratos específicos da população. Também é verdade que o analfabetismo e a iliteracia foram factores importantes para a manutenção da passividade e apatia dos portugueses, ignorantes uns e indiferentes outros relativamente aos desmandos da ditadura.
Em suma, pode-se dizer que a durabilidade do regime se deveu, no que toca à sua acção, a uma combinação, entre outros, de dois factores decisivos.Por um lado, ficou a dever a sua grande longevidade ao facto de ter conseguido, nos momentos de crise — 1945 e 1958-1961 — manter a coesão das Forças Armadas em seu redor. Por outro lado, perdurou por ter tido sucesso na desmobilização, na intimidação cívica e na repressão, através de vários instrumentos, entre os quais os aparelhos administrativo, censório e policial, em particular a PIDE/DGS. A censura e a repressão, bem como a interiorização pelos portugueses de uma recusa da dimensão política — sinónimo de «subversão» para o Estado Novo —, foram certamente factores muito importantes para a passividade e apatia que possibilitaram a durabilidade do regime ditatorial em Portugal.
E as oposições ao regime ditatorial?
Mal a ditadura militar se instalou, em 1926, começou logo a resistência e combate ao novo regime saído da Ditadura militar. Depois, apesar de diversas, as várias oposições ao regime, desde a Ditadura de Salazar, até à de Caetano, embora constituindo paus na engrenagem ditatorial, também não conseguiram derrubá-la. Correndo o risco de ser polémica, não posso deixar de referir um primeiro factor para os fracassos da Oposição, aliás desdobrado em duas imagens aparentemente contraditórias, mas na realidade complementares, que marcaram por assim dizer a “cultura” das oposições, militares ou civis, em Portugal.Trata-se de uma “cultura de derrota”, que aliás foi acompanhada pelo erro aparentemente contrário do triunfalismo, do aventureirismo e da passagem voluntarista ao acto.
Nos anos vinte, devido à acumulação de erros, as várias tentativas de «golpe» militar, com ou sem apoio de civis — por vezes recusado pelos militares —, foram falhando ao longo do tempo. Entre os factores objectivos de derrota, contavam-se a má organização, a falta de secretismo, a diminuição progressiva das forças participantes, as atitudes expectantes de muitos, as divisões políticas e pessoais internas.As várias oposições começaram progressivamente a não acreditar nas suas possibilidades de vitória sobre o regime ditatorial e as suas instituições. Ao mesmo tempo, os objectivos desses golpes “reviralhistas”, quase unicamente protagonizados por elementos do regime republicano derrubado em 1926, englobados numa difusa intenção de regresso ao constitucionalismo republicano e às suas ”liberdades” e “garantias”, não eram particularmente sedutores para uma população em que a minoria politizada apenas sabia que não queria o retorno do Partido «Democrático», ou de tempos como os da participação na Grande Guerra e a episódios como o da «carrinha fantasma».
Após as derrotas das sucessivas tentativas de sublevação de 1927, 1928, 1930 e sobretudo 1931, para derrubar a ditadura, a chamada via «reviralhista» foi abandonada e de certa forma ridicularizada pelas oposições. O termo «reviralho» — que já tinha um significado pejorativo, quando foi criado por um elemento do regime ditatorial — passou a designar simbolicamente uma estratégia inútil condenada ao falhanço. Foram derrotadas também outro tipo de estratégias, fosse a da «greve geral insurreccional» ou a dos atentados bombistas, fosse a da via «legal» de derrube da ditadura, que seria sempre tentada posteriormente, nomeadamente em períodos eleitorais durante o Estado Novo.
No princípio dos anos trinta, já com Salazar no poder, assistiu-se também ao ocaso do anarco-sindicalismo, ao desaparecimento dos republicanos e socialistas e à irrupção do comunismo. Inicialmente frágil, sem autonomia de actuação e sem liberdade de iniciativa, o PCP foi assumindo uma organização leninista, baseada no centralismo democrático, com Bento Gonçalves e José de Sousa, a partir de 1929.Com a derrota do 18 de Janeiro de 1934, o PCP ficou quase sozinho no terreno da oposição ao Estado Novo, e a sua imagem foi reforçada pelo facto de Salazar o ter erigido em inimigo político principal.
Alvo preferencial da repressão, mas reorganizado nos anos da II Guerra Mundial, o PCP passou a ser a única força com capacidade de actuação clandestina, num período de «antifascismo» propício ao recrutamento de jovens militantes e favorável à hegemonização pelos comunistas da frente antifascista.Esta situação, que se prolongou pelo imediato pós-guerra, terminaria porém com o início da guerra fria e o surgimento da “cortina de ferro”, que dividiu as forças oposicionistas, afastando do PCP os sectores não comunistas.
Com a continuação de sucessivas derrotas no terreno, quer as das tentativas malogradas de golpe militar em 1946/1947, quer as das frentes unitárias de curta duração conseguidas nas eleições presidenciais de 1949 e de 1958, já em período de guerra fria, pode-se dizer que as diversas forças oposicionistas continuaram subjectivamente a aceitar a própria propaganda do regime ditatorial, e nomeadamente a ideia transmitida pelo seu aparelho policial, de que era omnipotente e omnipresente.
Depois, as últimas tentativas de derrube do regime por pequenos grupos de militares e civis falharam à nascença ou pouco após eclodirem, como aconteceu com os “golpes” da Sé, em 1959, e de Beja, em 1961.Nos casos da Sé — alvo também de prévia infiltração inicial — e de Beja, contribuíram de novo para o fracasso factores como o isolamento político dos seus participantes, a falta de preparação e de organização operacional, erros crassos de avaliação das forças, aventureirismo, deserções e desconfianças mútuas políticas e pessoais, nomeadamente as que ocorreram entre civis e militares, incapazes de coordenarem os seus esforços.Toda essa tradição de derrotas não se repetiu, porém, no golpe de Estado de 25 de Abril de 1974, que, pelo facto de ter saído vitorioso, serve de exemplo contrário às tentativas revolucionárias anteriores.
No entanto, todas as tentativas, embora falhadas e contribuindo assim para a tal “cultura da derrota”, constituíram também luzes no fundo do túnel e dessa forma ajudaram a combater esse tipo de cultura oposicionista, muito baseada no abaixo-assinado defensivo.Por isso, não se pode deixar de referir que essas atitudes e iniciativas quase desesperadas e votadas ao fracasso acabaram por vezes por contribuir para a auto-estima das oposições ao regime ditatorial português, tal como as pequenas vitórias contra a repressão e a censura.
Entre estas, contaram-se as fugas de presos políticos das prisões, nomeadamente as de carácter colectivo, também facilitadas nos anos vinte e trinta pela inicial incapacidade dos meios repressivos, ao contrário do que aconteceria nos anos sessenta.Não por acaso, essas fugas serviram de contraponto à imagem de omnipresença da polícia política, revelando que no fundo esta e o próprio regime tinham «pés de barro», como assinalaram Palma Inácio e Mário Soares, este último aliás a propósito da acção do primeiro.
Outras excepções assinaláveis à referida “cultura de derrota” foram algumas acções “espectaculares” de propaganda anti-regime, até a nível internacional, embora fragilizadas pela falta de continuidade que revelaram em termos de acção política. Foram os casos da tomada do navio «Santa Maria» e do desvio de um avião da TAP, em 1961, da autoria do Directório Revolucionário Ibérico de Libertação (DRIL), bem como o do assalto ao Banco de Portugal na Figueira da Foz, pela Liga de Unidade e Acção Revolucionária (LUAR), em 1967, e, mais tarde, as operações armadas contra o esforço de guerra da Acção Revolucionária Armada (ARA), organização do PCP, e das Brigadas Revolucionárias, no início dos anos 70 do século XX. Todas estas operações tiveram grande impacto entre uma parte dos portugueses, contribuindo para o recrutamento de novos militantes.
Um aspecto negativo importante a destacar, que atingiu sobretudo o PCP, mas também, nos anos 70, os inúmeros grupos marxistas-leninistas que então desabrocharam, foi o profundo sectarismo que vigorou entre eles. Não, não estou a falar de hoje. Por outro lado, o Partido Comunista foi vítima de um certo ensimesmamento, provocado por um prolongado processo de luta defensiva contra a repressão.O combate contra a polícia política acabou por se tornar central no PCP e ser encarado como um fim em si mesmo, e não, como deveria ser, um mero instrumento de defesa para deixar espaço à obtenção do verdadeiro objectivo.
Note-se que, até ao final dos anos 60, em que o PCP esteve em permanência quase sozinho no terreno do combate ao regime, as outras forças da oposição raramente desejaram juntar-se aos comunistas, excepto em certos momentos propícios à unidade, como no período da “frente unitária antifascista”, no pós-guerra ou nas eleições presidenciais de 1949 e de 1958. E se não o desejavam, não era só porque o PCP tudo queria controlar. Era porque queriam o derrube do regime ditatorial e a transição para a democracia, tal como os comunistas, mas não para dar lugar a um novo regime ditatorial, fosse com o nome de ditadura do proletariado ou democracia popular.Também a noção vanguardista do PCP e dos grupos marxistas-leninistas e maoistas do início dos anos 70 — aliás criados à imagem daquele partido, mesmo se em crítica aberta à sua linha política e ideológica — afastava as outras forças oposicionistas.
Outro problema do combate ao regime era o que resultava do facto de Portugal ser um pequeno país, onde a vida clandestina era difícil de ser levada a cabo, mesmo para um partido com a experiência do PCP, que nunca foi incólume à infiltração policial.Quanto aos republicanos, anarco-sindicalistas, socialistas, bem como, mais tarde, à LUAR ou até ao movimento marxista-leninista e maoista, nunca conseguiram ter regras apropriadas à acção clandestina, uns por incapacidade ou ausência de discrição, outros, nomeadamente os últimos, devido à endogamia que vigorava entre eles.
Também fruto da pequenez de Portugal e do número limitado de resistentes políticos à ditadura, este processo endogâmico perpassava tanto entre os militantes das diversas organizações da oposição ao regime, como entre estes e as próprias forças policiais.
Por outro lado, por mais pequenas que fossem as diferenças entre as diversas organizações, em situação de clandestinidade, sectarismo exacerbado e rivalidade quanto à ocupação do terreno políticos, elas assumiam uma tal importância que erguiam barreiras intransponíveis entre os vários grupos de oposição e resistência.As oscilações de linha política, devido às dificuldades de se fazer uma análise clara da situação nacional e internacional, foram também responsáveis por muitos recuos na acção ou mesmo pela falta de actuação.Entre as questões que estiveram sempre em discussão, constituindo um factor de divisão entre as diversas forças políticas da oposição, contou-se a recorrente sobre o ingresso imediato, ou não, na via da luta armada.
Em 25 de Abril, o que aconteceu foi um golpe militar da livre iniciativa de uma parte das Forças Armadas e por ela dirigido, e não uma insurreição popular sob a direcção da vanguarda comunista.Mas, sobretudo, o golpe militar vitorioso de 1974, contou com circunstâncias “subjectivas” favoráveis, ocorrendo, como se viu, num momento de exaustão do regime e com o apoio posterior da maioria dos portugueses. Em 25 de Abril de 1974, não aconteceu o mesmo que se tinha passado, em 28 de Maio de 1926, quando os militares, comandados pelas suas chefias superiores, não necessitaram do apoio popular, mas sim da indiferença da população, cansada da desordem e das sempre eternas más condições de vida.
Em vez da indiferença da população, os capitães das Forças Armadas que derrubaram Marcelo Caetano em 1974 beneficiaram de um imediato e vasto movimento de apoio popular (ou nacional), que envolveu todas as forças da oposição ao regime derrubado.As forças oposicionistas, apesar da sua diversificação, das suas divisões e dos seus defeitos, acabaram por ter a grande qualidade de conseguir hegemonizar intelectual, cultural, social e politicamente a sociedade portuguesa.O regime de Salazar e Caetano nunca tinha aliás tido o apoio dos intelectuais e artistas, nem havia nunca conseguido alcançar essa hegemonia cultural.
Por outro lado, apesar de tudo, a sociedade portuguesa não estagnou ao longo dos anos e novos sectores da população tornaram-se protagonistas nos importantes campos laboral e sindical, e sobretudo os jovens, nomeadamente no meio estudantil, irromperam como grupo à parte.As razões para essas transformações não foram apenas nacionais, mas uma destas foi certamente a continuação sem fim das guerras coloniais. Por isso, quando este último factor detonou a revolta de uma parte dos militares, todo o laborioso trabalho das oposições se expressou nas ruas, em apoio ao golpe, impedindo um banho de sangue que poderia ter ocorrido através de uma resposta das forças militares governamentais.