Um ano, João
João,
parece impossível mas já passou um ano. Passaram 365 dias sem te ler, ouvir, ver. Senti a falta: o que dirias, João, sobre isto? Sobre um Portugal e uma Europa, piores ainda do que quando partiste?
Reli os teus posts, muitos deles proféticos. Hoje escolhi este, do «silêncio». Depois da «manif» de Setembro de 2012, quando estivemos juntos – contentes de e por nos vermos ali – e regressou a palavra de ordem «O povo unido…», veio a de Março de 2013. Estava tanta gente, é difícil contabilizar, como em Setembro, mas havia um ar de derrota, de estarmos ali, porque era pior não estarmos…, de silêncio, nas faces de velhos. Como tu e como eu? A quem já não cabia “organizar” aquilo – ai, como é difícil, perdermos o hábito -, mas apenas estar ali. E o que gostávamos de que, em vez de «que se lixe…», se lixasse mesmo e tivesse sido gritada aquela palavra de ordem, criada por ti. que aqui fica – para sempre – em letra escrita - «traste», «nunca me enganaste».
João, nunca me enganaste. Saudade.
O silêncio
Ouvi e li já muitos comentários inteligentes sobre o silêncio que dominou longos trechos da manif de 2 de Março. Eu próprio me atrevi a adiantar no Twitter algumas opiniões em cima do acontecimento.
Pensando melhor, porém, seria talvez preferível que, antes de ousarmos adentrarmo-nos pelas profundidades simbólicas do silêncio, começássemos por constatar o óbvio: a principal razão porque as pessoas caminhavam caladas era por não haver palavras de ordem para gritar.
Esta estranha circunstância reflecte tanto a incompetência da organização como a inépcia de uma oposição que, de facto, é incapaz de marcar a agenda política com ideias e reivindicações relevantes.
Uma passagem do artigo de Vítor Malheiros hoje no Público destaca alguns sentimentos que poderiam inspirar uma mão de cheia de slogans apelativos: “[As pessoas] vieram dizer que não aceitam a democracia diminuída em que vivem, que não aceitam ser governados por colaboracionistas em nome de interesses alheios ao povo.” Este tema dos “colaboracionistas” parece-me, em particular, ter um potencial garantido para inflamar os corações e irritar o governo.
Lembro-me que, antigamente, os comunistas usavam sem olhar a poupanças a expressão “vende-pátrias” para caracterizar políticos como aqueles que hoje nos governam. Mas é um facto que já não há comunistas como dantes.
Experimentem para a próxima lançar a palavra de ordem: “Cavaco, és um traste/ nunca me enganaste” e verão como conseguem pôr todos os velhinhos aos gritos.
João Pinto e Castro
Jugular, 5/03/2013