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Até no Burkina Faso

O Diário Económico resolveu trazer para a capa uma manchete muito intrigante. Intrigante porque li de fio a pavio o Education at a Glance 2012, a suposta fonte de tão surpreendente afirmação, sem deparar com semelhante coisa. Peguei outra vez nos ficheiros excel do relatório e, como expectável, confirmei que a dita cuja manchete é totalmente falsa. Já a notícia que supostamente apoia a manchete é um tratado de como bem aldrabar o leitor sem incorrer em mentiras. Passo a explicar, começando pelo parágrafo mais enganador:

 

"Actualmente, é o Estado que financia na totalidade a escola pública até ao 12º ano, ano em que termina a escolaridade obrigatória, uma característica que Portugal partilha apenas com a Suécia."

 

Resumo do momento fungão do dia

 

Ou, como diz o Eduardo Pitta, "Paulo Portas fungou, falou, fungou, falou, fungou, falou, fungou, falou, fungou, falou, fungou, falou, fungou, falou, fungou, falou, fungou, falou, fungou, falou, fungou, falou, fungou, falou, fungou, falou, fungou, falou, fungou, falou, fungou, falou, fungou, falou, fungou, falou, fungou, falou, fungou, falou, fungou, falou, fungou, falou, fungou, falou, fungou, falou, fungou, falou, fungou, falou". E terminou fungando.

De banhas da cobra e iliteracia química

Há uns tempos fui contactada por um dos editores do site PouparMelhor, a propósito de um artigo que, em termos muito suaves, explicava não ser verdade que uma determinada banha da cobra, com a acção mística/alquímica nas ligações C-H supracitada, pouparia em média 20% de combustível.

 

Aparentemente, os senhores que vendem a dita cuja banha da cobra não gostaram, como é normal num certo tipo de charlatães, e, depois de atafulharam a caixa de comentários do referido post com obras primas da literatura e pérolas redondinhas de ignorância química, partiram para o que também é a norma neste tipo de gente: as ameaças legais. Neste caso, felizmente sem sucesso, e, espero, com todos os inconvenientes do efeito Streisand.

 

Já desmistifiquei um ror de dispositivos que, "cientificamente" comprovado, permitiriam poupar uma percentagem absurda de combustível, por efeito quântico (todos os charlatães simplesmente adoram a quântica), magnético ou afins, mas é a primeira vez que ouço falar no princípio de Van der Waals para semelhante desiderato.  Aliás, embora o nome do Nobel da Física de 1910 abunde no léxico científico, de equações de estado a forças intermoleculares, é também a primeira vez que ouço falar em tal princípio.  Lendo a propaganda da coisa, qualquer que seja o Tech porque a designam, Super ou Mole, não me admira muito:  quem escreve o número assombroso de dislates sem pés nem cabeça nos 450 caracteres que se seguem nem deve fazer ideia o que seja ciência - embora use e abuse do falacioso (pseudo*)argumento de autoridade científica para impor respeitabilidade à sua banha da cobra.

 

 

Uma questão de prioridades

Nos idos de Novembro, num post que mereceu mails e comentários irados dos que bramiam que eu queria "asfixiar" o ensino básico e secundário (pouco*) privado, comentei, em nota de rodapé, que o Ministério da Educação considerava um aluno numa escola secundária privada merecedor de mais financiamento público do que um aluno no ensino superior público.

 

Sete meses e cortes brutais** depois, as contas de quanto mais  chegam ao Económico: o investimento do Estado por aluno do ensino básico e secundário, público e privado, é superior em mais de 50% ao que é feito por estudante universitário.

 

Há uma semana, na cerimónia em que entregámos os diplomas aos alunos que concluiram os seus mestrados e doutoramentos no Técnico no ano lectivo transacto, Rogério Carapuça pedia aos presentes, uma pequena fracção do total, muitos dos nossos diplomados já seguiram os conselhos governamentais e sairam da sua zona de conforto, para não desistirem de Portugal. Infelizmente, o que se tem passado nos últimos tempos é para muitos indicação clara de que Portugal desistiu da esmagadora maioria dos seus cidadãos.

 

 

Os incendiários ou um questão de prioridades

Na última semana, dois ministros do Governo de Portugal®, , o da Economia e o da Segurança Social, aventaram a hipótese de delapidarem as verbas do FEFSS (Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social) nas suas políticas de "emprego" - so far, de protecção do patronato, excepto quando o patrão é o Estado.  Mas este fundo, o garante das pensões e reformas dos actuais trabalhadores, não é do Estado para que esta gente o liberalize ao serviço dos privados e mercados financeiros, a única coisa em que de facto se têm mostrado excelentes, tirar ao público para dar ao privado*. Não sei bem o que pretendem com estes anúncios incendiários mas para já conseguiram algo totalmente inédito, que eu subscreva na íntegra uma opinação de Pacheco Pereira, em particular o parágrafo final: «A única hipótese plausível é que o governo quer mesmo que a greve geral seja um sucesso, para exorcizar qualquer coisa, ou para colocar o que acha a incarnação do Mal nas ruas para todos o verem».

 

*Por exemplo, na Educação, em que foi considerado prioritário reforçar as verbas destinadas às escolas secundárias privadas, que viram aumentada em 6.5%, de €80 080 para € 85 228, a verba paga por turma do OE, enquanto o ensino público, em particular o superior, foi sujeito a cortes tão brutais, cerca de 33% em relação ao OE2011, 48% inferior à dotação de 2010, que ameaçam a sua continuidade. Para ser mais clara, neste momento o ME considera que é mais importante e por isso merecedor de mais financiamento, do dinheiro dos nossos impostos, um aluno numa escola secundária privada que um aluno no ensino superior público.

A tirania de um príncipe numa oligarquia não é tão perigosa para o bem público como a apatia dos cidadãos numa democracia*

Pelas razões que se tornarão aparentes ao longo do post, recupero um post que escrevi há ano e meio, adaptando-o ligeiramente à espuma dos dias.

 

No final do século V a.C., Atenas viveu uma profunda crise económica e política devido à longa guerra do Peloponeso. À rendição de Atenas, em Abril de 404, seguiu-se um golpe oligárquico apoiado por Esparta. A oligarquia que, com o apoio das tropas espartanas, fez cair a democracia ateniense ficou conhecida como a Tirania dos Trinta. Embora a democracia tenha sido formalmente restaurada pouco depois, em 403, o populismo retórico da aristrocracia fez crescer a insatisfação dos cidadãos com a crise económica. A aristocracia culpou a democracia pela crise vivida e exigiu um governo forte que permitisse o retorno à antiga glória e ao poder atenienses. Com a confiança no regime seriamente abalada, no início do século IV a.C. os cidadãos deixaram de participar na Res Publica o que levou a que fossem remunerados os que condescendessem a comparecer às sessões da Assembleia. A Assembleia tornou-se assim o ponto de confluência dos ociosos, dos demagogos e dos cidadãos que nela viam apenas uma forma de subsistência. Décadas de demissão da cidadania por parte dos atenienses e de retóricas ocas por parte de quem queria o poder pelo poder tiveram como consequência que, no final do século IV a.C., a tirania oligárquica vingasse.

 

De produtividade, inteligência artificial e ludismos cíclicos

Há uns tempos, esta referência ao que se passa nos EUA, inserida no facebook pela Workers Community, foi partilhada e repartilhada com foco na mensagem original, "da próxima vez que alguém disser que és pobre porque és preguiçoso mostra-lhe isto". A mensagem implicita vai no entanto muito mais longe e ajuda também a perceber porque razão falharam todas as estratégias(?) que se foram adoptando para, supostamente, resolver a crise e porque continuarão a falhar se não houver uma reflexão profunda sobre as suas causas. Aliás, crise, vale a pena lembrar, vem do grego krisis, que pode ser traduzido por julgamento ou decisão. Assim, mesmo etimologicamente, esta crise envolve a reflexão crítica que me parece muitos se recusarem fazer.

 

Essa mensagem implícita foi hoje, também implicitamente, analisada no The Economist num artigo com título "Inteligência artificial" e sub-título "O legado ludita". O termo ludita, recordo, remete-nos para a Revolução Industrial e para os movimentos operários de luta contra a mecanização do trabalho que eclodiram na Inglaterra de há 200 anos, exactamente,  o movimento começou a ter expressão em 1811. Embora existam muitas lucubrações sobre as origens do ludismo, o movimento anti-máquinas, que teve pouca expressão no resto da Europa e se devotou especialmente aos teares mecânicos, não pode ser indissociado do bloqueio continental imposto em 1806 por Napoleão e das suas consequências sobre as exportações britânicas - agravadas a partir de 1812 com a nova guerra com os Estados Unidos que consolidou a independência norte-americana e privou os teares britânicos do algodão de que necessitavam para trabalhar. 

 

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