Carlos Pimenta conjuga visão, coragem e coerência, qualidades cada vez mais raras e necessárias à República.
Uma carreira de 4 décadas marcada por uma tenacidade invulgar na resolução de desafios complexos no panorama nacional e internacional, travando batalhas que muitos davam por perdidas à partida.
Os Portugueses devem-lhe muito, mas poucos o sabem, as derrotas sucessivas que infligiu ao lobby do nuclear são apenas um entre muitos exemplos, mas só por este excerto, breve memória institucional de uma guerra sempre em aberto, a entrevista já seria essencial:
Com duas passagens pela Secretaria de Estado do Ambiente (83/84 e 85/87) e uma mais fugaz pela das Pescas (Fevereiro a Novembro de 85), Carlos Pimenta tornou-se também um dos principais rostos da derrota do nuclear em Portugal.
“A guerra maior foi em 83/84 com o nuclear, foi a que deu mais impacto público, mais nervos, mais problemas, foi preciso geri-la com muito cuidado.” É uma indústria que, para Pimenta, “de certa forma, simboliza o mal levado ao extremo da sociedade industrial”, vive “sob o segredo e a mentira” e usa “muitas vezes o nuclear civil como capa do nuclear militar”.
Em 1983, quando chegou à Rua do Século, em Lisboa, a comissão técnica do Plano Energético Nacional (PEN) propunha a construção de três centrais nucleares, eventualmente uma quarta, capazes de alimentar um determinado crescimento da procura de electricidade das décadas seguintes, calculado com base em modelos matemáticos. Foi dos primeiros despachos que teve para assinar e para o qual foi aconselhado a não criar obstáculos.
Antes da discussão do assunto em Conselho de Ministros, o pequeno grupo de pessoas de que se rodeou e o conselho do ex-secretário-geral da agência francesa de energia ajudaram a identificar os principais erros da proposta: a assunção de que a procura de electricidade ia crescer sempre mais do que a economia e que as alternativas ao nuclear não existiriam ou seriam caras. Segundo as previsões dos “nuclearistas”, estaríamos hoje a consumir mais 50% de electricidade, o carvão estaria significativamente mais caro, não teríamos gás natural e as renováveis teriam um peso residual.
Para um documento de mil páginas, Carlos Pimenta preparou cinco notas de uma página para o seu ministro, António Capucho, que acompanhara a “descodificação” dos cálculos. A “intuição política” do então primeiro-ministro Mário Soares e a “sensibilidade ao risco financeiro” do ministro das Finanças Ernâni Lopes reagiram à argumentação de Capucho e o nuclear caiu.
Cerca de um ano depois, com Francisco Sousa Tavares já como ministro do Ambiente e com Pimenta fora do elenco, o dossier voltou de surpresa a Conselho de Ministros. “Era o mesmo projecto. Estavam convencidos que passava”. Uma das pessoas a quem Sousa Tavares telefonou a pedir conselho foi Pimenta. Havia muito menos tempo desta vez, “foram três horas” em que um falava e o outro tomava nota — “escrevia páginas”. Soube do resultado do Conselho de Ministros por um ministro que lhe disse que “o ‘Tareco’ [como era conhecido Sousa Tavares nos meios próximos] falou hora e meia e destruiu aquilo”. “Foi assim que escapámos, por duas vezes”, sublinha.
Carlos Pimenta orgulha-se da dupla vitória contra o nuclear como também dos anos seguintes como eurodeputado, em que deu a cara por várias lutas ambientais, mas especialmente pela do clima, como relator do Parlamento Europeu à Convenção das Nações Unidas sobre a Mudança Climática (UNFCCC) e para o Protocolo de Quioto, assinado em 1997.
A subsidiação global às energias renováveis continua a representar apenas uma fracção dos apoios estatais concedidos ao longo de várias décadas ao nuclear, gás, petróleo e carvão. Os subsídios às renováveis não são como pretendem os lobistas do nuclear e do oil & gas apenas mais uma distorção da concorrência, mas sim uma forma de induzir um level-playing-field mais justo entre as várias formas de energia e uma tentativa, ainda tímida, de corrigir um passado e um presente de graves distorções no pricing dos recursos fósseis e na ausência de preço dos bens ambientais.
Com apenas uma fracção dos apoios que as energias convencionais e o nuclear recebem e receberam, e num espaço de tempo muito reduzido, as energias eólica e solar conseguiram obter uma extraordinária progressão tecnológica que permitiu uma forte redução dos seus custos, aproximando-as rápida e inevitavelmente dos preços de mercado.
Em sentido contrário segue o nuclear, com a queda do mito do nuclear barato (o nuclear barato nunca será seguro e mesmo caro acarretará sempre riscos significativos de eventos catastróficos) patente nas declarações do patrão das eléctricas espanholas e na perspectiva de retrofitings caríssimos nas instalações nucleares mais antigas, como em França e nos EUA. E depois com o drama de Fukushima sem fim à vista, onde se vão gastar mais 473 milhões de USD apenas para conter as fugas de água radioactiva, dificultando a tarefa dos lobistas do nuclear na defesa do indefensável.
20 de Agosto foi o Earth Overshoot Day de 2013, um conceito que já abordei neste post. Significa que neste ano bastaram 8,7 meses para a humanidade gastar todos os recursos e serviços ecológicos (p.e. captura de CO2) que o Planeta pode produzir ou prestar ao longo de um ano. A partir de hoje estamos a alienar o capital natural das gerações futuras e a contribuir para o agravamento das alterações climáticas e de vários problemas ambientais com reflexos bem mais imediatos na economia e no bem-estar das populações.
Estamos habituados a pedir emprestado ao Planeta sem perspectivas de algum dia pagar a dívida e vivemos há décadas acima das reais possibilidades do planeta e das nosssas por inerência, num vórtice de consumo imediato, eternamente insatisfeito numa convulsão de pérpétuos upgrades. Mais injusto porque este plural é feito de singulares muito distintos, com uma enorme desprocorcionalidade na utilização de recursos entre norte e sul, ricos e pobres, e novos e velhos.
É mau sinal que este dia, testemunho simbólico da má gestão global dos recursos naturais, aconteça cada vez mais cedo todos os anos: "In 1993, Earth Overshoot Day—the approximate date our resource consumption for a given year exceeds the planet’s ability to replenish—fell on October 21. In 2003, Overshoot Day was on September 22. Given current trends in consumption, one thing is clear: Earth Overshoot Day arrives a few days earlier each year. Earth Overshoot Day, a concept originally developed by Global Footprint Network partner and U.K. think tank new economics foundation, is the annual marker of when we begin living beyond our means in a given year. While only a rough estimate of time and resource trends, Earth Overshoot Day is as close as science can be to measuring the gap between our demand for ecological resources and services, and how much the planet can provide." Fonte: http://www.footprintnetwork.org/en/index.php/gfn/page/earth_overshoot_day/ e aqui em francês.
A humanidade enfrenta a mais grave crise económica e financeira do século com grande parte das lideranças europeias e mundiais em austeridade cognitiva. É necessário travar o discurso cego e suicida da austeridade na Europa e é muito urgente apostar em medidas transnacionais de estimulo à economia e à criação de emprego de uma forma ética, social, económica e ambientalmente responsável e sustentável.
A enorme crise que estamos a viver está a eclipsar dos radares mediáticos uma crise climática de proporções desconhecidas e consequências económicas, sociais e ambientais porventura bem mais gravosas do que a crise actual.
É urgente transferir a austeridade do discurso político e da economia para a austeridade climática, porque aqui faz muito mais sentido.
O Papa abdicou porque já não se sente capaz de assumir a missão de que foi incumbido pelos cardeais. Os apóstolos da austeridade não têm a mesma clarividência, nem o mesmo respeito pelos eleitores europeus. A sua fé não admite compromissos com a realidade e um dos efeitos colaterais é a amputação de áreas fundamentais para a melhoria da competitividade europeia no provável orçamento da UE 2014-20:
Sub-heading 1a (“Competitiveness for growth and jobs”) appears to be one of the biggest victims of the changes. The total level of commitments is now put at €125.7 billion, down from €152.5 billion in the earlier proposal. The ‘Connecting Europe Facility’ (CFE) is slashed from €41.2 billion to €29.3 billion. Sectors that have been affected include transport (from €26.9 billion to €23.2 billion) and energy (from €7.1 billion to €5.1 billion). Source
Os profundos cortes nas iniciativas Competitiveness for growth and jobs e Connecting Europe Facility vão atrasar a criação de redes infraestruturais basilares para a competitividade europeia e essenciais para acelerar a saída da crise. A melhoria e a interligação das redes europeias de transportes, energia e comunicações são medidas urgentes e fundamentais para promover a competitividade internacional da UE, enquanto internamente possibilitam a criação de redes mais eficientes, mercados mais competitivos e sistemas mais democráticos.
Com a Europa esmagada por uma crise de austeridade auto-inflingida, recheada de líderes medíocres de uma direita fanática que odeia o Estado, com o Japão a braços com uma grave crise energética, o médio oriente em tensão crescente e a China e a Rússia em transes pseudo-democráticos, uma derrota de Obama seria uma notícia trágica. Já não será um vibrante yes we can mas mesmo uma vitória aos pontos irá proporcionar um enorme alívio no final deste dia.
E um preemptive strike para os haters do costume que teimam em não reconhecer que a subsidiação global às energias renováveis é uma fracção dos apoios que o nuclear e os fósseis recebem indiscriminadamente há décadas/séculos. Level playing field é um conceito estranho aos senhores que atacam as renováveis por receberem subsídios infinitamente menores do que as energias convencionais receberam e recebem, e ainda devolverem à sociedade mais riqueza, emprego e qualidade ambiental - em suma bem estar - por MW instalado, do que o carvão, o petróleo, o nuclear ou o gás.
O desvio do ministro face à verdade é bem maior do que o desvio de custos na Parque Escolar, com a ressalva de este último estar devidamente justificado no relatório da IGF.
Daniel Oliveira presta um excelente serviço público ao desmontar esta despudorada tentativa de manipulação da opinião pública. Reproduzo o título do artigo e algumas frases particularmente elucidativas:
"Quando finalmente tivemos acesso ao relatório o desvio era, afinal, de 66% de investimento por escola (está, preto no branco, no relatório em causa) que, segundo a IGF, "foi essencialmente devido ao aumento de área de construção por escola".
O desvio explica-se, antes de mais, com a alteração da escolaridade obrigatória, em 2009, que obrigou a um aumento da área média de construção por escola em 61%, já que a média de alunos previstos por escola passou de 800 para 1.230 alunos, um aumento de 52% em relação ao que se esperava em 2008. E esta é a principal razão apontada pelo relatório para o desvio financeiro a que se assistiu.
Mas há mais: a mudança de legislação, por imposição comunitária, em matéria energética e ambiental, representaram um sobrecusto entre 15% a 25% no total das empreitadas. E a um esforço energético duas a três vezes superior ao anterior, o que é preocupante e, contra o qual, a Parque Escolar já terá feito várias propostas. O relatório refere ainda outras alterações educativas exteriores à Parque Escolar (PE), como a reorganização da rede escolar, o ensino com um único turno, a diminuição de número de alunos por turma, o reforço do ensino profissional e o desdobramento das turmas em disciplinas experimentais. Além da PE ter passado a garantir fornecimento de mobiliário, concretização do Plano Tecnológico nas escolas intervencionadas e instalações provisórias para as escolas durante as obras.
Ou seja, se retirarmos os factores externos à Parque Escolar, os desvios são muitíssimo inferiores aos que aqui referi e até certo ponto justificáveis em obras de renovação que contam, como todos sabem, com mais imponderáveis que uma obra de raiz."
E agora pacientemente desmontando algumas das alarvidades ditas no Prós e Contras
Este é um post chato e gigante, que foi tão cansativo de escrever como será de ler, mas como não fiz a tropa aqui fica parte do meu serviço público. Senti a necessidade de escrever este lençol devido à manifesta incapacidade da moderadora do debate em filtrar os factos e os argumentos sérios da aldrabice demagoga utilizada por alguns convidados. Gabo a paciência de quem o ler e peço desculpa por alguma incorrecção.
1. A energia elétrica em Portugal é a mais cara da Europa e a culpa é das renováveis?
Pura e simplesmente isso é falso. Antes do recente aumento do IVA, o custo da energia elétrica em Portugal estava abaixo da média da UE e dos valores praticados em Espanha. Ver tabela abaixo.
A energia elétrica em Portugal antes do aumento do IVA, suportava 6% de IVA, 8% de taxas municipais e 2% para sustentar o diferencial de custos das ilhas (Açores e Madeira). O total destes impostos (16%) era equivalente aos impostos médios sobre a energia na Europa.
O atual agravamento de 6% para 23% decidido pelo atual governo (a troika não obrigava a um aumento desta magnitude) elevou o custo final da energia elétrica para o setor doméstico (os industriais descontam o IVA) em 17%. Desta forma a componente de impostos e taxas em Portugal no setor doméstico atinge agora os 33%, a mais alta de toda a Europa e praticamente o dobro da média comunitária. O que permitirá ao Governo arrecadar uma receita fiscal na ordem dos €400 milhões. Este é um tema que tem sido ocultado na discussão pública e que de facto explica o forte agravamento do preço da energia, que se deve a uma opção política e não à insustentabilidade do sistema. Mais grave, ao tomar a opção de aumentar o IVA sobre a energia para o valor máximo, o Governo ficou sem margem para aumentar o preço da energia elétrica, que possibilitaria reduzir (ou pelo menos não aumentar) o défice tarifário.
Acresce que a energia elétrica produzida com base em combustíveis fósseis não paga a esmagadora maioria das externalidades que a sua utilização produz (ver PNALE), mas a partir de 2012/13 terá de pagar todas as licenças relativas às emissões de CO2.
Saliente-se que em Espanha o governo passou o défice tarifário para o orçamento de Estado, tem cerca de 30% de energia nuclear, o imposto é bastante mais baixo e a energia elétrica é mais cara do que em Portugal.
Na segunda-feira o manifesto quase foi desencalhado com a ajuda da RTP
O Prós e Contras sobre energia foi uma encenação onde a parcialidade de Fátima Campos Ferreira quase apagou a gravidade do seu desconhecimento sobre o tema (como jornalista não se espera um conhecimento técnico aprofundado, mas espera-se que estude os dossiers e sobretudo que não tolere atitudes demagógicas de quem procura incendiar assistências recorrendo a argumentos simplistas).
A forma como o programa se iniciou, com o testemunho da DECO a preparar o terreno para 10 minutos iniciais e sem interrupções de que beneficiou Mira Amaral (um privilégio face aos outros convidados), foi um prenúncio do que se iria passar em seguida. A tolerância às aldrabices demagógicas de uma das fações, pontuada a espaços pelo apoio estridente da moderadora, foram o corolário de um debate inquinado à nascença.
Os representantes do Manifesto procuraram cavalgar o natural descontentamento de uma população esmagada por políticas de austeridade iníquas, promovidas por líderes europeus insensíveis à realidade da classe média e animados por um preocupante espírito de cruzada económica. A isto juntaram um discurso profundamente cínico que tentou ridicularizar e simplificar um tema complexo, um desrespeito aos telespectadores que assistiam ao programa.
Verdadeiro objetivo revelado ao cair do pano
No entanto para enorme irritação de Mira Amaral (que desde Fukuhima se tentar distanciar do apoio reiterado que deu no passado à solução nuclear para Portugal) o seu colega Patrick Monteiro de Barros, quase no final do programa, não se conteve e revelou ao que vinha. Havia dúvidas?
"Desde 2005, ano que marca o reforço das políticas de incentivo às energias renováveis, este indicador passou de cerca de 87,2% para 76,8%, em 2010(...). De acordo com fontes do sector, contactadas pelo Diário Económico, a geração em regime especial, na qual se inclui as renováveis e a cogeração (produção combinada de electricidade e gás natural, usada sobretudo em processos industriais), representou uma poupança de combustíveis de 550 milhões de euros, só em 2010. Ou seja 10% do total da factura energética nacional registada neste neste ano, a qual se cifrou em 5.561 milhões de euros."
Aquela pieguice das renováveis permitiu, entre outras coisas, que Portugal reduzisse a sua dependência energética de uma forma impensável há apenas dez anos atrás, contribuindo para uma forte redução da nossa factura de importações energéticas.
Para além da poupança obtida, a valorização dos recursos endógenos permitiu a criação de um cluster industrial que emprega milhares de pessoas qualificadas em Viana do Castelo e que fabrica em Portugal (para consumo interno e para exportação) uma das mais avançadas turbinas eólicas do Mundo (com 95% de incorporação nacional) e, embora em menor escala, promoveu a produção de equipamentos (fotovoltaicos, de concentração e térmicos) para o aproveitamento da energia solar.
Mas também ajudou a indústria convencional (e.g. co-geração na indústria do papel), permitiu a resolução de problemas ambientais (e.g. incineração dos resíduos sólidos urbanos produz energia e diminui drasticamente a necessidade de espaço em aterro para a deposição final dos resíduos) e ajudou Portugal a cumprir compromissos internacionais no âmbito do combate às alterações climáticas.
Quem segue a área da energia e persiste em ignorar os efeitos positivos do investimento efectuado em Portugal nas energias renováveis ao nível da geração de riqueza, da criação de emprego qualificado, da investigação académica e inovação industrial, da transferência de tecnologia e de know-how, do crescimento de exportações e redução de importações, da redução da dependência energética and so on... ou está morto, ou é distraído, ou sofre daquela terrível condição, que diz que dá comichão, de acute intellectual dishonesty.
Para quem sonha com um futuro “verde” alicerçado num horizonte de silenciosas e mui seguras centrais nucleares (100% fabriqué en France) daquelas que nunca derrapam nos custos e criam imenso emprego, que funcionam sempre comme il faut, que se desmatelam sozinhas e cujos resíduos são óptimo ingrediente para temperar os raviolis de tório, só temos pena que falhe no fact check com a realidade.